Texto Base: 2Samuel 15:1-18
“E desta maneira fazia Absalão a todo o Israel que vinha ao rei para juízo; assim, furtava Absalão o coração dos homens de Israel” (2Sm.15:6).
2 Samuel 15:
1-E aconteceu, depois disso, que Absalão fez aparelhar carros, e cavalos, e cinquenta homens que corressem adiante dele.
2-Também Absalão se levantou pela manhã e parava a uma banda do caminho da porta. E sucedia que a todo o homem que tinha alguma demanda para vir ao rei a juízo, o chamava Absalão a si e lhe dizia: De que cidade és tu? E dizendo ele: De uma das tribos de Israel é teu servo;
3-então, Absalão lhe dizia: Olha, os teus negócios são bons e retos, porém não tens quem te ouça da parte do rei.
4-Dizia mais Absalão: Ah! Quem me dera ser juiz na terra, para que viesse a mim todo o homem que tivesse demanda ou questão, para que lhe fizesse justiça!
5-Sucedia também que, quando alguém se chegava a ele para se inclinar diante dele, ele estendia a sua mão, e pegava dele, e o beijava.
6- desta maneira fazia Absalão a todo o Israel que vinha ao rei para juízo; assim, furtava Absalão o coração dos homens de Israel.
7-E aconteceu, pois, ao cabo de quarenta anos, que Absalão disse ao rei: Deixa-me ir pagar em Hebrom o meu voto que votei ao SENHOR.
8-Porque morando eu em Gesur, na Síria, votou o teu servo um voto, dizendo: Se o SENHOR outra vez me fizer tornar a Jerusalém, servirei ao SENHOR.
9-Então, lhe disse o rei: Vai em paz. Levantou-se, pois, e foi para Hebrom.
10-E enviou Absalão espias por todas as tribos de Israel, dizendo: Quando ouvirdes o som das trombetas, direis: Absalão reina em Hebrom.
11-E de Jerusalém foram com Absalão duzentos homens convidados, porém iam na sua simplicidade, porque nada sabiam daquele negócio.
12-Também Absalão mandou vir Aitofel, o gilonita, do conselho de Davi, à sua cidade de Gilo, estando ele sacrificando os seus sacrifícios; e a conjuração se fortificava, e vinha o povo e se aumentava com Absalão.
13-Então, veio um mensageiro a Davi, dizendo: O coração de cada um em Israel segue a Absalão.
14-Disse, pois, Davi a todos os seus servos que estavam com ele em Jerusalém: Levantai-vos, e fujamos, porque não poderíamos escapar diante de Absalão. Dai-vos pressa a caminhar, para que porventura não se apresse ele, e nos alcance, e lance sobre nós algum mal, e fira a cidade a fio de espada.
15-Então, os servos do rei disseram ao rei: Eis aqui os teus servos, para tudo quanto determinar o rei, nosso senhor.
16-E saiu o rei, com toda a sua casa, a pé; deixou, porém, o rei dez mulheres concubinas, para guardarem a casa.
17-Tendo, pois, saído o rei com todo o povo a pé, pararam num lugar distante.
18-E todos os seus servos iam a seu lado, como também todos os quereteus e todos os peleteus; e todos os geteus, seiscentos homens que vieram de Gate a pé, caminhavam diante do rei.
INTRODUÇÃO
Nesta Aula trataremos da rebelião de Absalão, filho de Davi. O rei de Israel não poderia imaginar uma traição dessa magnitude vinda do próprio filho, o terceiro filho na linha de sucessão ao trono. Absalão era oportunista, perspicaz; e valendo-se de sua beleza física e carisma incomum, procurou derrubar o próprio pai, na esteira das falhas governamentais, buscando apoio nos descontentes, para reinar, prometendo que julgaria a todos com equidade e rapidez. A atitude de Absalão foi a mais execrável e a que mais Deus abomina. Rebelião não vem de Deus, e equipara ao pecado da feitiçaria. Certamente, essa atitude de Absalão não acabaria bem, e o relato bíblico é claro de que, realmente, foi avassalador. Absalão perdeu a vida, o rei Davi saiu arrasado emocionalmente e milhares de vidas do exército foram dizimadas. Numa rebelião, todos perdem - seja na família, na amizade ou nas instituições; ninguém sai ileso desse processo. Que Deus nos livre desse pecado! Que a paz e a unidade marquem a vida do povo de Deus.
I. O HOMEM ABSALÃO
1. Descrição
O nome Absalão, no hebraico, significa “o pai é da paz” (2Sm.3:3). Ele era o terceiro filho de Davi com Maacá, filha de Talmai, rei de Gesur, que nascera em Hebrom (2Sm.3:2,3) – Davi teve seu primeiro filho com Ainoã, Amnon, o primogênito; o segundo com Abigail, Quileabe.
Absalão era um homem de excelente aparência física (2Sm.14:25); tinha tudo para ser um excelente rei, e o povo o amava; tinha uma personalidade forte e capacidade para furtar o coração do povo (2Sm.15:1,6); porém, tinha um caráter desajustado e faltava-lhe o domínio próprio, qualidades necessárias a um bom rei. Como diz o ditado popular, nem tudo que reluz é ouro - sua aparência, capacidade e posição não eram suficiente para suprir esta falta de integridade pessoal.
Absalão pecou e continuou na transgressão. Apesar de se apoiar totalmente nos conselhos de outrem, não foi suficientemente sábio para avaliar o mérito dessas orientações. Ele não foi capaz de dizer: “eu estava errado, preciso ser perdoado!”.
Muitos hoje se identificam com Absalão; muitos estão no caminho da autodestruição. Deus nos oferece o perdão, mas não podemos experimentá-lo até que tenhamos verdadeiramente admitido e confessado nossos pecados a Ele. Absalão rejeitou o amor de seu pai e, em última análise, até mesmo o de Deus. Muitas vezes negligenciamos o acesso ao amor do Senhor através da porta do perdão.
2. Em que consistia a causa da revolta de Absalão?
Muitas vezes os erros dos pais refletem na vida de seus filhos. Davi podia ver uma repetição dolorosa e ampliada de muitos de seus pecados cometidos no passado. Deus predissera que a família de Davi sofreria por causa dos pecados que ele cometera contra Urias e Bate-Seba. Sua queda enfraqueceu espiritual e moralmente sua família.
Tudo começou com o estupro; Tamar, irmã de Absalão, foi estuprada por Amnom (2Sm.13:14,15). Este foi encorajado pelo primo Jonadabe a cometer este terrível pecado. Geralmente, estamos mais vulneráveis aos conselhos de nossos parentes porque estamos muito próximo deles. Entretanto, devemos antes nos assegurar de ter avaliado cada item desses conselhos de acordo com os padrões de Deus, mesmo que estes venham de ente querido.
Amnom sentia uma paixão cega pela sua meia-irmã, e não amor. É bom ressaltar que o amor é muito diferente de paixão. Embora afirmasse sentir amor, na verdade estava possuído pela paixão cega.
ü O amor é paciente, mas a paixão exige a satisfação imediata.
ü O amor é gentil, a paixão é cruel.
ü O amor não exige que tudo seja exatamente desejos obstinados, a paixão sim.
Podemos conhecer as características do verdadeiro amor em 1Corintios 13. A princípio, a paixão pode parecer amor; porém, ao se manifestar fisicamente resulta em aversão a si mesmo e ódio pela outra pessoa.
Depois que Amnom estuprou Tamar, seu desejo se transformou em ódio (2Sm.13:15). O sentimento daqueles que não podem esperar, não é o verdadeiro amor. Amnom tentou se livrar da meia-irmã, mas Tamar se recusou a sair (2Sm.13:15,16). Por fim, expulsou-a à força, na esperança de que ficasse “longe dos olhos, longe do coração” (2Sm.13:17).
As roupas de luto de Tamar chamaram a atenção de Absalão para o ocorrido (2Sm.13:20). Absalão tentou confortar Tamar e convencê-la a não transformar o incidente em um escândalo público. Absalão disse a Tamar que o crime era apenas um assunto de família; porém, os padrões de Deus para a conduta moral não ficam suspensos quando tratamos de assuntos familiares. Desonrada e, portanto, indesejável como noiva, ainda que não por culpa sua, “ficou Tamar [...] desolada em casa de Absalão, seu irmão” (2Sm.13:20); provavelmente, ela morreu solteira.
Davi irou-se com Amnom por ter estuprado Tamar, mas não o castigou como deveria ter feito, provavelmente porque: não queria punir seu filho primogênito e, portanto, o primeiro na linha sucessória do trono (1Cr.3:1); a lembrança de seu próprio pecado ainda era recente na memória de todos. Ele sabia qual era seu dever, mas estava de mãos atadas. O pecado deliberado nos priva da liberdade moral, da possibilidade de falar sem impedimento e de dar testemunho.
Absalão esperou por uma oportunidade de se vingar; secretamente, planejou vingar-se de Amnom, o que realmente fez dois anos mais tarde (2Sm.13:23-33). Como era costume, ele ofereceu uma grande festa na época da tosquia, quando estava nos arredores de Betel. Davi não aceitou o convite insistente do filho, talvez por não desejar lhe dar mais despesas. Todos os filhos do rei, porém, compareceram à festividade, inclusive Amnom que, como primogênito, representou o pai. Mediante um sinal combinado, os servos de Absalão mataram, covardemente, Amnom. Os outros príncipes fugiram de volta a Jerusalém tomados de medo. Absalão fugiu para Gesur, na Síria, onde sua mãe havia morado e Talmai, seu avô materno, era rei (2Sm.13:37-39; 1Cr.3:2). Ele passou três anos em Gesur (2Sm.13:38).
Amnom era o filho mais velho e, portanto, o próximo na linha de sucessão ao trono. Depois da morte dele, Absalão começou a sonhar em tomar o trono para si.
Joabe sabendo que Davi estava com saudade de Absalão, elabora uma estratégia para trazê-lo de volta. Davi autoriza a volta de seu filho, mas ao retornar, fica sem falar com Absalão por aproximadamente dois anos (2Sm.14:1-28). Isso resultou em grande ódio e amargura no seu coração para com o pai.
Nada justifica o procedimento errado dos filhos, mas, por vezes, os pais contribuem para que eles tomem o caminho da rebeldia deliberada. O apóstolo Paulo é enfático: ”E vós, pais, não provoqueis a ira a vossos filhos, mas criai-os na doutrina e admoestação do Senhor” (Ef.6:4).
Absalão foi reintegrado, ou seja, recebeu o perdão do rei (2Sm.14:33), mas logo movimentou-se para usurpar o trono de seu pai. Sem saber a extensão da amargura e das ambições de Absalão, Davi sem perceber abre a porta para uma rebelião. Pior ainda, ao reintegrar Absalão à corte, faz vista grossa para a culpa dele e, por omissão, é conivente com o assassinato de Amnom. Isto custou muito caro a Davi.
II. A REVOLTA DE ABSALÃO
Adotando costumes pagãos (talvez instruído pelo seu avô Talmai), Absalão apareceu em público em uma carruagem escoltada por um cortejo de corredores. Ele assegurou a simpatia das dez tribos do Norte fazendo-se passar por seu defensor. Dentro de quatro anos, sob o pretexto de cumprir um voto, Absalão foi a Hebrom e reivindicou o título de rei (2Sm.15:10); em seguida, apoderou-se de Jerusalém para ser sua capital.
1. A fraqueza do reinado de Davi
A maior fraqueza do reinado de Davi foi sem dúvida a falta de cuidado com a sua família. Isto era resquício do pecado cometido; como falou Natã, sua vida seria marcada por inúmeros problemas (2Sm.12:10,12), inclusive problemas familiares.
Nenhum sucesso na vida compensa o fracasso no lar, na família. Davi foi cuidadoso em construir um reino, trabalhou arduamente para isso. Como líder e administrador da monarquia, ele se saiu muito bem, todavia, quase nada vemos ser feito dentro de casa. Havia um dualismo reino-família que mutuamente pareciam ser excludentes.
Portanto, os maiores inimigos de Davi não foram as nações vizinhas, mas uma anarquia generalizada que se instaurou dentro de sua própria casa: Amnon estupra sua irmã; Absalão mata seu irmão; as concubinas do rei são possuídas sexualmente pelo seu próprio filho; Adonias usurpa o trono, etc. São todos fatos de certa forma ligados à vida familiar.
Uma família desestruturada assemelha-se a um trem que descarrilou; é uma tragédia. O que podemos dizer com segurança é que Davi se saiu muito bem como rei, mas o mesmo não pode ser dito como pai. Davi estruturou o seu reino, mas deixou sua casa ruir. Não adianta ganhar tudo e perder a família. Já ouvi alguém dizer acertadamente que nenhum sucesso justifica o fracasso da família.
O apóstolo Paulo bem disse em 1Corintios 16:19, quando se refere a um casal de crentes da Igreja Primitiva: “... muito vos saúdam Áquila e Priscila e, bem assim, a Igreja que está na casa deles”. A nossa casa deve ser uma extensão do Reino de Deus e o Reino de Deus precisa estar dentro de nossa casa. Um não pode existir sem o outro. Mas, infelizmente, nem sempre a nossa casa tem sido um reflexo da igreja.
Quantas famílias estão caindo como a de Davi porque não tem trazido para dentro de casa os padrões ideais do Reino de Deus! As estatísticas atestam que o número de divórcios entre os cristãos já é o mesmo praticado pelo mundo ímpio. Muitos marginais, que estão soltos e nos presídios, alguns de alta periculosidade, saíram de lares cristãos. Que os erros da Davi possam nos trazer lições que nos ajudem na formação de nossos familiares.
2. O Absalão político
Após ter reconquistado o favor de Davi (2Sm.14:33), Absalão conspirou contra o seu próprio pai, que lhe deu o perdão e, indevidamente, fez vista grossa do seu crime contra o irmão. Para ganhar a confiança do povo, Absalão agiu como os piores políticos: com sagacidade, dissimulação e falsas promessas. Absalão se ocupou de ganhar a confiança dos israelitas pouco a pouco. Com isso o número de seus apoiadores aumentou grandemente.
Nesse tempo, Absalão alegou que precisava ir até Hebrom para cumprir um voto ao Senhor. Tudo isso fazia parte de seu plano, e a conspiração contra o trono de Davi ganhou força. Ele trabalhou incansavelmente durante quatro anos para pôr seu plano em prática – a revolta contra seu pai. De duas maneiras Absalão procurou impressionar o povo: primeira, se exibindo com carros, cavalos e homens que corriam adiante dele; segunda, a lisonja.
Com bem diz o Pr. Osiel Gomes, Absalão é visto como um ator que sabia fazer muito bem o seu show. De modo sutil, astuto, conseguiu chamar a atenção do povo. É claro, ele trabalhou publicamente sua imagem e, para isso, começou com algo inovador, exibindo sua realeza com carrões e corredores diante de si. Com os batedores na frente, Absalão vinha lentamente no seu carro chamando a atenção de todos para o poder que exibia como príncipe. Este homem procedeu astutamente trabalhando nos pontos em que o reinado de Davi estava falhando. Vejamos:
ü Ele exibia a sua imagem. Ele era daquele tipo que apenas queria impressionar o povo, mostrar-se grandioso.
ü Ele atendia as pessoas bem cedo. Acredita-se que a corte de Davi não atendia bem cedo as pessoas, o que gerava uma falha. Então Absalão se coloca como uma pessoa diligente. Os que trilham o caminho de Absalão sempre se apresentam como eficientes em tudo; querem se mostrar mais atuantes do que o líder da igreja.
ü Ele buscava um lugar estratégico para ficar. Ele queria que todos o vissem, por isso postava-se à porta da cidade. Quem tem o espírito de Absalão quer ser sempre bem visto, faz seu trabalho para ser visto, aplaudido, não se esquecendo de que por trás de tudo isso há um interesse escuso, o de chegar ao poder. Esse procedimento fere o que Paulo ensinou: que não se deve servir à vista para agradar aos homens (Ef.6:6).
ü Ele queria deixar uma boa impressão. Isso ele fazia demonstrando total atenção aos forasteiros que chegavam à cidade, especialmente aqueles que vinham com algum problema ou queixa para resolver.
ü Ele apontava fraquezas no reinado do pai. Ele dizia para as pessoas: “teus planos e negócios são bons, mas não há da parte do rei ninguém que te ouça”. Podemos crer que tal informação não procedia, pois vemos em 2Sm.14:4-7 que o rei atendeu facilmente a mulher de Tecoa.
ü Ele apresentava-se como uma pessoa capaz. Isso pode ser provado quando ele diz: “Ah, quem me dera ser juiz na terra”. Com tal expressão afirmava ao povo que tinha muitas habilidades para julgar.
ü Ele portava-se como um rei. Absalão recebia os que entravam na cidade apertando a mão de cada um e, aos que traziam seus pedidos, com beijo. Típicas atitudes de políticos mal-intencionados. Na mente e no coração desse rebelde havia um sentimento de que ele já era rei, o que lhe faltava era o trono.
Muito tem se questionado por que Davi não reagiu diante dessa ação do seu filho, pois era clarividente o que ele estava fazendo. Alguns supõem que o rei não agiu porque, diante de todo o seu trabalho, seu histórico de vida, julgou por si mesmo que a lealdade dos seus súditos seria algo firme, pois tinha conquistado o coração de cada um, e que não se deixariam levar pelo comportamento disfarçado do seu filho rebelde.
Um líder nunca pode descansar e achar que tudo está bem; antes, deve procurar orar e vigiar constantemente para não dar brecha ao inimigo; o senso de confiança, segurança demasiada é sempre perigosos.
3. Proclamando-se rei (2Sm.15:10)
Como resultado de sua politicagem mal-intencionada, Absalão enviou mensageiros às tribos de Israel para anunciar que ele já reinava em Hebrom (2Sm.15:10).
“E de Jerusalém foram com Absalão duzentos homens convidados, porém iam na sua simplicidade, porque nada sabiam daquele negócio” (2Sm.15:11).
Aitofel, um dos conselheiros de Davi e avô de Bate-Seba (cf.2Sm.11:3; 23:34), desertou para o lado de Absalão (2Sm.15:12), e muitos do povo se juntaram à conspiração para usurpar o trono. É possível que Aitofel desejasse se vingar de Davi por seu pecado com Bate-Seba.
“Também Absalão mandou vir Aitofel, o gilonita, do conselho de Davi, à sua cidade de Gilo, estando ele sacrificando os seus sacrifícios; e a conjuração se fortificava, e vinha o povo e se aumentava com Absalão” (2Sm.5:12).
Em Hebrom, ele preparou os seus seguidores e, ao seu sinal, ao som de trombetas, deveria ser proclamado a todo o Israel: “Absalão reina em Hebrom!”.
“E enviou Absalão espias por todas as tribos de Israel, dizendo: Quando ouvirdes o som das trombetas, direis: Absalão reina em Hebrom”.
Absalão foi a Hebrom porque era a sua cidade natal (2Sm.3:2,3); também, a escolha tinha um aspecto irônico: em Hebrom Davi foi proclamado rei sobre todo o Israel (cf. 2Sm.5:1-5). Absalão tinha consciência de que havia da parte de Judá um sentimento muito especial por esse lugar; estrategicamente, buscava apoio naquela região. Todavia, no caso de Davi, as tribos de Israel foram a Hebrom e lhe ofereceram o reinado, conforme a promessa do Senhor. De modo contrastante, Absalão toma a iniciativa da questão com as tribos de Israel e as incentiva a proclamá-lo rei. Diferente do relato da ascensão de seu pai ao trono, essa narrativa não traz referência alguma à sua unção (cf. 2Sm.5:3). Sua ascensão ao reinado, em vez de se basear numa promessa divina, é chamada de conspiração.
4. Davi foge
Diante da revolta de Absalão, Davi concluiu que a situação era séria e lhe pareceu mais prudente deixar Jerusalém (2Sm.15:13-17).
“Então, veio um mensageiro a Davi, dizendo: O coração de cada um em Israel segue a Absalão.Disse, pois, Davi a todos os seus servos que estavam com ele em Jerusalém: Levantai-vos, e fujamos, porque não poderíamos escapar diante de Absalão. Dai-vos pressa a caminhar, para que porventura não se apresse ele, e nos alcance, e lance sobre nós algum mal, e fira a cidade a fio de espada” (2Sm.15:13,14).
Se Davi não tivesse fugido de Jerusalém, provavelmente teria sido morto durante a luta que se seguiu, assim como inúmeros habitantes inocentes da cidade. Algumas disputas, que cremos serem necessárias, às vezes são muito custosas e destrutivas para os que nos rodeiam. Nesses casos, é mais prudente retroceder e deixar a contenda para outra ocasião, mesmo que isso possa ferir nosso orgulho. É preciso coragem para ficar e lutar, mas também é necessária coragem para retroceder em benefícios de outras pessoas.
Por que Davi de pronto não aniquilou essa rebelião? Havia várias razões que fizeram com que preferisse fugir: (a) a disputa já se espalhara (2Sm15:10-13) e não seria facilmente reprimida; (b) ele não queria que a cidade de Jerusalém fosse destruída; e (c) ainda amava seu filho e não queria feri-lo. Sabemos que Davi esperava retornar logo a Jerusalém, pois deixara dez de suas concubinas para cuidar do palácio (2Sm.15:15).
No contexto da revolta de Absalão, mais uma parte da profecia de Natã se cumpriu. Aconselhado por Aitofel, Absalão possuiu as concubinas de Davi numa tenda no terraço perante os olhos de todo o Israel (2Sm.16:22). Esse ato abominável perante Deus também deixou clara a reivindicação de Absalão pelo trono de Israel.
5. A lealdade dos servos de Davi
a) Lealdade dos de fora
Em sua fuga, Davi contou com inúmeros soldados fieis, inclusive muitos deles não eram israelitas; muitos deles da cidade de Gate, cidade filisteia. Aparentemente, os geteus, da cidade de Gate, eram os amigos que ele obtivera enquanto estivera escondido de Saul.
“Tendo, pois, saído o rei com todo o povo a pé, pararam num lugar distante. E todos os seus servos iam a seu lado, como também todos os quereteus e todos os peleteus; e todos os geteus, seiscentos homens que vieram de Gate a pé, caminhavam diante do rei” (2Sm.15:17,18).
Dentre os filisteus de Gate que o seguiram, um deles era Itai, o geteu (2Sm.15:19). Davi, quando viu Itai partir com o séquito, ordenou que ele voltasse, afinal não era judeu, mas um exilado que chegara a Israel havia pouco tempo. Por que ele acompanharia o rei numa situação, no mínimo, incerta? Itai, porém, não se permitiu dissuadir. Estava decidido a ir junto com o rei Davi a qualquer custo.
“Respondeu, porém, Itai ao rei e disse: Vive o SENHOR, e vive o rei, meu senhor, que no lugar em que estiver o rei, meu senhor, seja para morte seja para vida, aí certamente estará também o teu servidor” (2Sm.15:21).
Isso tocou profundamente o coração de Davi, pois tal posicionamento deveria partir do seu filho rebelde. Davi recompensou a lealdade desse gentio permitindo que ele e seus seguidores o acompanhassem ao exílio.
“Então, Davi disse a Itai: Vem, pois, e passa adiante. Assim, passou Itai, o geteu, e todos os seus homens, e todas as crianças que havia com ele” (2Sm.15:22).
Os servos de Deus da Nova Aliança devem seguir o Rei dos reis no tempo de sua rejeição com a mesma devoção que Itai seguiu Davi quando foi rejeitado.
b) Lealdade dos de dentro
Os sacerdotes e os levitas também foram leais a Davi (2Sm.15:24,25).
“Eis que também Zadoque ali estava, e com ele todos os levitas que levavam a arca do concerto de Deus; e puseram ali a arca de Deus; e subiu Abiatar, até que todo o povo acabou de sair da cidade. Então disse o rei a Zadoque: Torna a levar a arca de Deus à cidade; se achar eu graça aos olhos do SENHOR, ele me tornará a trazer para lá e me deixará ver a ela e a sua habitação”.
O sacerdote Zadoque e os levitas tentaram levar a Arca da Aliança, mas Davi ordenou que a Arca fosse levada de volta à cidade. Nesse momento Davi mostrou grande confiança em Deus - “Torna a levar a arca de Deus à cidade”.
Davi se recusa a usar a Arca como se fosse um amuleto mágico ou um paládio por meio do qual se pode manipular Deus ou compeli-lo (cf. 1Sm.4), ou como um objeto que visa garantir sua proteção pessoal. A Arca devia ficar no lugar que Davi designou para sua habitação. Ele não pressupôs que a Arca, por sua simples presença na cidade, traria benção a Absalão.
Davi confiou unicamente em Deus – “se achar eu graça aos olhos do SENHOR, ele me tornará a trazer para lá e me deixará ver a ela e a sua habitação”. Ele considerou que se fosse da vontade do Senhor, um dia a benevolência de Deus lhe permitiria contemplar a Arca em seu devido lugar. Davi percebeu que o seu destino estava nas mãos do Senhor e se submeteu à vontade divina.
A atitude de Davi em meio a essa crise mostrou total equilíbrio entre confiança em Deus e pragmatismo. Por um lado, ele se sujeitou à decisão soberana de Deus e não procurou manipulá-lo nem o compelir. Em contrapartida, também, orou de modo especifico para que Deus frustrasse seus inimigos, criou uma rede de espiões em Jerusalém e instruiu o leal Husai a usar de artifícios e neutralizar os conselheiros de Absalão (2Sm.15:32-37). Sua reação lembra Jacó: quando confrontado com a perspectiva assustadora de encontrar-se com Esaú, Jacó orou a Deus com fervor pedindo sua bênção (Gn.32:9-12), e, ao mesmo tempo, tomou algumas medidas extremamente pragmáticas para proteger a si mesmo e sua família (Gn.32:3-8,13-23). Confiar em Deus e agir com sabedoria são coisas complementares, e não antitéticas, uma lição importante a ser lembrada pelo povo de Deus de todas as eras.
Enquanto fugia de Absalão, Davi escreveu o Salmo 3, cujo tema é justamente a confiança em Deus na adversidade.
c) Lealdade no exílio
Enquanto Davi estava no exílio, em Maanaim, três homens – Sobi, Maquir e Barzilai – forneceram provisões não perecíveis para o rei e para o povo que com ele estava (cf. 2Sm.17:27-29).
“E sucedeu que, chegando Davi a Maanaim, Sobi, filho de Naás, de Rabá, dos filhos de Amom, e Maquir, filho de Amiel, de Lo-Debar, e Barzilai, o gileadita, de Rogelim, tomaram camas, e bacias, e vasilhas de barro, e trigo, e cevada, e farinha, e grão torrado, e favas, e lentilhas, também torradas, e mel, e manteiga, e ovelhas, e queijos de vacas, e os trouxeram a Davi e ao povo que com ele estava, para comerem, porque disseram: Este povo no deserto está faminto, e cansado, e sedento. E Davi contou o povo que tinha consigo e pôs sobre eles capitães de cem”.
- Sobi era filho de Naás, o rei falecido do amonitas. Seu irmão, Hanum, havia rejeitado a demonstração de boa vontade de Davi e sofrido as consequências (2Sm.10). Sobi, apesar de estrangeiro, se preocupou mais com o rei de Israel do que muitos dos israelitas. Semelhantemente, muitos gentios, incluindo nós, acolheram Jesus Cristo, o Messias prometido, que foi rejeitado pelos “seus”, os judeus (João 1:11).
- Maquir havia cuidado de Mefibosete por vários anos, até que Davi levou o filho de Jônatas para Jerusalém (2Sm.9:3-5). Ele ministrou ao príncipe aleijado e ao rei exilado em seu momento de necessidade. Quem dá dos seus bens à causa de Cristo por meio da hospitalidade será recompensado com cem vezes mais quando Ele voltar em glória.
- Barzilai ajudou a sustentar Davi todo o tempo que o rei permaneceu no exilio, em Maanaim. Ele era um homem rico, e o sustento que proveu foi extremamente importante para Davi (2Sm.19:31-39). Em seu leito de morte, Davi instruiu Salomão a usar de benevolência para com os filhos de Barzilai e colocá-los na corte real (1Rs.2:7).
“Porém com os filhos de Barzilai, o gileadita, usarás de beneficência, e estarão entre os que comem à tua mesa, porque assim se chegaram eles a mim, quando eu fugia por causa de teu irmão Absalão”.
Cristo não se esquecerá daqueles que ministram a Ele; antes, lhes concederá lugares de honra em seu reino – “E qualquer que tiver dado só que seja um copo de água fria a um destes pequenos, em nome de discípulo, em verdade vos digo que de modo algum perderá o seu galardão” (Mt.10:42). Leia Mateus 25:31-40.
III. A MORTE DE ABSALÃO
1. Coração de pai (2Sm.18:1-5)
Davi dividiu seu exército em três companhias, comandadas por Joabe, Abisai e Itai. O rei expressou o desejo de participar do combate, mas o povo persuadiu a permanecer na cidade e mandar socorro, caso fosse necessário. Enquanto os solados marchavam para fora da cidade, Davi ordenou publicamente aos generais: “Tratai com brandura o jovem Absalão, por amor de mim” (2Sm.18:5).
“Duas coisas importantes devem ser entendidas aqui: a primeira é o valor que o povo via em Davi; sendo ele um grande guerreiro, uma pessoa capaz, ainda que estivesse pagando um alto preço, as pessoas sabiam do seu valor (2Sm.18:3;1Sm.18:7; 29:5), e que por causa disso ele era o alvo principal. A segunda é que o povo queria evitar que o próprio pai tivesse que confrontar o filho. Todos viam a dor que Davi sentia ao formar aquele exército, para lutar contra seu filho; por isso, pediu que se tratasse o jovem com brandura” (LBM).
2. O preço da rebelião de Absalão (2Sm.18:10-18)
A batalha foi travada no bosque de Efraim (2Sm.18:6-9), a leste do Jordão e perto de Maanaim. Com o auxílio de Husai, que ficou em Jerusalém a pedido de Davi, e dos comandantes Joabe, Absai e Itai, o exército de Davi conseguiu derrotar o exército de Absalão. Cerca de vinte mil homens do exército de Absalão morreram naquele dia, muitos deles por terem se perdido na floresta densa (2Sm.18:7,8). Em alguns relatos bíblicos é dito que forças naturais contribuíram para que o povo do Senhor fosse vitorioso, como lama, insetos, doenças, o que prova que Deus age como Ele quer.
Vendo que estava perdendo a batalha, Absalão fugiu sobre um mulo, e quando fugia pelo bosque, ficou preso pelos cabelos entre os ramos espessos de um grande carvalho, e o mulo que ele montava foi embora sem ele. Há certa justiça poética no fato de parte do corpo do qual tanto se orgulhava ter colaborado para sua destruição.
Joabe tomou conhecimento da situação de Absalão, irando-se, porque o homem que lhe trouxe a notícia não o matara. O mensageiro lhe disse que não poderia ter feito isso, ainda que fosse para ganhar mil moedas de prata, pois tinha ouvido o pedido do rei. Joabe tomou três dardos e atravessou com eles o coração de Absalão, deixando que seus escudeiros desse o golpe de misericórdia. O comandante desobedeceu às ordens do rei, mas fez o que era melhor para o reino. Em várias ocasiões, Davi havia se recusado a castigar os filhos por crimes que tinham cometido, de modo que coube a outra pessoa realizar essa tarefa.
Assim que Absalão morreu, Joabe mandou cessar o combate, pois havia alcançado o objetivo principal. Jogaram o corpo de Absalão numa grande cova e o cobriram com um montão de pedras.
“E tomaram Absalão, e o lançaram no bosque, numa grande cova, e levantaram sobre ele um mui grande montão de pedras; e todo o Israel fugiu, cada um para a sua tenda” (2Sm.18:17).
-“...levantaram sobre ele um mui grande montão de pedras”. Aqui, encontramos um eco com dois outros incidentes registrados em Josué:
-Aconteceu com ambicioso Acã. Depois que Acã foi executado, os israelitas “ergueram sobre ele um grande monte de perdas” (Js.7:26);
-Aconteceu com o rei de Ai. De acordo com Josué 8:29, depois que o rei de Ai foi enforcado numa árvore (cf. 2Sm.18:9), os soldados tiraram seu cadáver de lá “...e, ao pôr-do-sol, ordenou Josué que o seu corpo se tirasse do madeiro; e o lançaram à porta da cidade e levantaram sobre ele um grande montão de pedras...”.
Estas são as únicas três passagens no Antigo Testamento que é mencionado um “monte de pedras”. Essa associação intertextual apresenta Absalão no papel de um israelita rebelde (Acã), que desonrou a comunidade da Aliança e a colocou em perigo, e de um inimigo estrangeiro (o rei de Ai), que teve uma morte humilhante.
Esse sepultamento indigno de Absalão anulou a tentativa de ele ser glorificado depois da morte. O comandante do exército, Joabe, considerou essa forma de sepultamento apropriado, pois Absalão foi um inimigo amaldiçoado (tal qual Acã e o rei de Ai), cujo local de sepultamento servirá para lembrar o destino de todos os rebeldes.
Em meio a essa grande vitória, Davi reconheceu a mão disciplinadora de Deus e sentiu a dor de perder seu filho (2Sm.18:19-33). Seu corpo estremeceu quando recebeu a notícia da morte de Absalão, e expressou que ele mesmo gostaria de ter morrido, em vez do filho (2Sm.18:33). Cinco vezes ele grita o nome de Absalão e, oito vezes, clama “meu filho” (2Sm.18:33; 19:4). Davi foi perdoado e, em resposta a sua oração, o Senhor o protegeu, mas ele ainda tinha de enfrentar as consequências inevitáveis e dolorosas de seus erros passados.
O fim de Absalão foi trágico, porque ele agira como usurpador, rebelde; pela lei, deveria morrer (Dt.21:18,21,23; 2Sm.17:2,4). Absalão morreu sem deixar um filho (2Sm.18:18) para dar continuidade a seu nome, um fim apropriado para um rebelde. Toda rebeldia tem seu preço; por isso o melhor é sempre evitá-la.
Tomemos cuidado! Na presença de Deus não há lugar para oposição. Jesus disse: “Quem comigo não ajunta, espalha”. Se não queremos ser tratados pelo Senhor como feiticeiros, a melhor coisa é vigiar e não tocar no fruto proibido da rebelião. Antes de ser rebelde, é bom pensarmos com quem vamos parecer-nos: com Lúcifer ou com Jesus? Que Deus nos guarde debaixo do sangue de Cristo contra esse espírito maligno da rebelião. Disse o profeta Samuel a Saul: “eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar”.
CONCLUSÃO
Diante do que vimos neste estudo, devemos nos conscientizar de que a rebelião não compensa. Nas Escrituras Sagradas, não encontramos nenhum outro tipo de transgressão que seja tratada com tanta severidade por Deus como a da rebelião. Vemos pessoas ficando gravemente enfermas (Nm.12:10), reis perdendo o seu trono (1Sm.13:13,14) e gente sendo morta por um juízo de Deus, “simplesmente” pelo fato de que se levantaram contra Sua autoridade (Nm.16:1-33). É bom entender que a rebelião não acontece só quando alguém se levanta frontalmente contra Deus. Todas as vezes que o homem se opõe às pessoas constituídas por Deus é tratado como um rebelde. Evitemos, pois, o pecado da rebeldia; busquemos a sabedoria e a prudência divinas, pois está escrito que a rebelião é como o pecado da feitiçaria (1Sm.15:23), e nenhum feiticeiro entrará no reino do Céu (cf. Gl.5:20,21). Sejamos fiéis e santos. Pense Nisso!