SISTEMA DE RÁDIO

 
  Pedidos de Oração e-mail: teinho@teinho.com, WhatsApp: (75)98194-7808, Jesus te Ama!

A ÚLTIMA DEFESA DE JÓ

 

Texto Base: Jó 29:1-5; 30:1-5; 31:1-5

“Ou não vê ele os meus caminhos e não conta todos os meus passos?” (Jó 31:4).

Jó 29

1.E, prosseguindo Jó em sua parábola, disse:

2.Ah! Quem me dera ser como eu fui nos meses passados, como nos dias em que Deus me guardava!

3.Quando fazia resplandecer a sua candeia sobre a minha cabeça, e eu, com a sua luz, caminhava pelas trevas;

4.como era nos dias da minha mocidade, quando o segredo de Deus estava sobre a minha tenda;

5.quando o Todo-Poderoso ainda estava comigo, e os meus meninos, em redor de mim;

 Jó 30

1.Mas agora se riem de mim os de menos idade do que eu, e cujos pais eu teria desdenhado de pôr com os cães do meu rebanho.

2.De que também me serviria a força das suas mãos, força de homens cuja velhice esgotou-lhes o vigor?

3.De míngua e fome se debilitaram; e recolhiam-se para os lugares secos, tenebrosos, assolados e desertos.

4.Apanhavam malvas junto aos arbustos, e o seu mantimento eram raízes dos zimbros.

5.Do meio dos homens eram expulsos (gritava-se contra eles como contra um ladrão),

Jó 31

1.Fiz concerto com os meus olhos; como, pois, os fixaria numa virgem?

2.Porque qual seria a parte de Deus vinda de cima, ou a herança do Todo-Poderoso desde as alturas?

3.Porventura, não é a perdição para o perverso, e o desastre, para os que praticam iniquidade?

4.Ou não vê ele os meus caminhos e não conta todos os meus passos?

5.Se andei com vaidade, e se o meu pé se apressou para o engano.

INTRODUÇÃO

Nesta Aula trataremos do último discurso de Jó em defesa de sua inocência. Os capítulos 29–31 apresentam um monólogo que pode ser dividido em três partes: em primeiro lugar, ele lançou um olhar retrospectivo para um passado abençoado, para os dias de seus primeiros anos, quando a amizade de Deus pairava sobre sua casa (Jó 29); a seguir, ele voltou o olhar para o seu horrendo presente, quando seu interior fervia, seus ossos ardiam em febre (Jó 30); e, em terceiro lugar, ele dirigiu seu olhar para frente, para um futuro que ainda se mostrava aberto e incerto (Jó 31). Porventura Deus atenderia o clamor de Jó (Jó 31:35)? Por causa de seu sofrimento atroz, que não tinha explicação clara para ele, haja vista que ele sempre manteve plena comunhão com Deus, e por falta de respostas às diversas indagações, Jó estava perdendo as esperanças de em vida ter um restabelecimento do que ele era antes. Mas Jó não aceitou que as coisas terminassem assim e, então, mostrou ousadia de se apresentar diante de Deus para defender a sua causa. Jó desafiou o Todo-Poderoso a uma resposta decisiva (Jó 31:35-40). Do ponto de vista humano é impossível recuperar a esperança diante da tragédia, todavia, se confiarmos em Deus, e permanecermos fiéis a Ele, com temor e tremor, e se desviarmos do mal, podemos recuperá-la, na força do Espírito Santo. Isto aconteceu com Jó, como veremos nas duas últimas lições, e também pode acontecer com qualquer servo de Deus.

I. JÓ RELEMBRA SEU PASSADO DE GLÓRIA

1. Prosperidade material e espiritual (29:1-11)

Neste último discurso Jó passou a relatar, de forma nostálgica, os velhos tempos em que desfrutava prosperidade e honra, além de proteção e orientação de Deus. Era uma época em que vivia no luxo e seus filhos andavam ao seu redor; ele era um homem domesticamente feliz (Jó 29:5). Além disso, era respeitado na cidade pelos moços e idosos e até mesmo pelos príncipes e nobres, por causa de sua justiça e equidade. Ele lembrou como de forma estrondosa tinha sido abençoado por Deus. Naqueles tempos de prosperidade, Jó imaginava que teria uma vida longa e morreria em paz em seu “ninho” (Jó 29:18), com conforto e vitalidade - ideias contidas nas ilustrações do “orvalho [...] sobre os meus ramos” (Jó 29:19); “minha honra se renovava em mim” (Jó 29:20) e o “meu arco se reforçava na minha mão” (Jó 29:20). Nesse seu monólogo retrospectivo, Jó pôde ver o quanto foi abençoado, embora o momento presente contrariasse todo o seu passado.

1.E prosseguindo Jó em sua parábola, disse:

2.Ah! Quem me dera ser como eu fui nos meses passados, como nos dias em que Deus me guardava!

3.Quando fazia resplandecer a sua candeia sobre a minha cabeça, e eu, com a sua luz, caminhava pelas trevas;

4.como era nos dias da minha mocidade, quando o segredo de Deus estava sobre a minha tenda;

5.quando o Todo-poderoso ainda estava comigo, e os meus meninos, em redor de mim;

6.quando lavava os meus passos em manteiga, e da rocha me corriam ribeiros de azeite;

7.quando saía para a porta da cidade e na praça fazia preparar a minha cadeira.

8.Os moços me viam e se escondiam; e os idosos se levantavam e se punham em pé;

9.os príncipes continham as suas palavras e punham a mão sobre a boca;

10.a voz dos chefes se escondia, e a sua língua se pegava ao seu paladar;

11.ouvindo-me algum ouvido, me tinha por bem-aventurado; vendo-me algum olho, dava testemunho de mim;

Além de abençoado, Jó era um homem protegido por Deus (Jó 29:2-4). Note a segunda parte de Jó 29:2: “como nos dias em que Deus me guardava!”. Bem no centro da sua felicidade passada existia a convicção de que Deus velava por ele. A miséria do momento presente denotava a sensação de que Deus o tinha abandonado ou, se ainda olhava para ele, o fazia com olhos inexplicavelmente condenatórios. Esta era a percepção de Jó. Porém, Deus estava provando a sua fé e fidelidade a Ele.

2. Reconhecimento social (29.14-25)

Jó também se lembrou de sua antiga condição social, quando exercia a função de um respeitado conselheiro de sua cidade (Jó 29:7).

“Quando saía para a porta da cidade e na praça fazia preparar a minha cadeira”.

Jó era um homem respeitado por todos (Jó 29:7-10; 21-25). Quando ocupava o lugar de conselheiro da cidade, todas as classes da comunidade lhe rendiam homenagem e o reverenciavam (Jó 29:8-10). A sua opinião era respeitosamente esperada. Quando a exprimia, escutavam-no em silêncio e nada mais tinham a dizer (Jó 29:21-22). As suas palavras eram como chuva refrescante para os espíritos abatidos (Jó 29:23). O seu sorriso era um tônico para os irresolutos – “sorria-me para eles quando não tinha confiança” (Jó 29:24).

Jó 29:11-17 mostra-nos como as ações de Jó eram invariavelmente aprovadas pelas pessoas. O homem, por quem Deus velava (Jó 29:2), olhava escrupulosamente pelos interesses dos necessitados. Até os estranhos podiam esperar que ele defendesse ardorosamente a sua causa – “As causas daquele que eu não conhecia inquiria com diligência” (Jó 29:16). Em todas estas atividades a retidão era a sua túnica e a justiça o seu turbante (Jó 29:14). Dir-se-ia que Jó era a própria encarnação da justiça. Seu amor e defesa pela justiça eram-lhe como uma vestimenta e adorno (Jó 29:14). Tendo agido com justiça e equidade, nada mais natural que esperasse que seus dias terminassem em paz ao lado de sua esposa e filhos (Jó 29.18). Mas, a realidade presente que Jó experimentava pregava o contrário de tudo que ele almejava. Tudo tinha mudado. Jó, juntamente com o seu passado, parecia ter caído no esquecimento de Deus. Era difícil entender, à época, por que Deus provaria com rigor um homem como Jó!

3. Uma ponderação importante

Não há dúvida de que Jó, conforme a Bíblia mostra, era um modelo de justiça social. O texto denota que ele era um defensor do pobre, da viúva e do órfão. Porém, é preciso certo grau de cautela para não transportar para dentro do texto uma ideologia social contemporânea, firmada em valores materialistas contrários aos defendidos nas Escrituras. À luz da teologia bíblica, a leitura de Jó transcende em muito o mero discurso social. Não é que ele não seja relevante, pois é relevante sim; todavia, a mensagem de Jó não pode ser resumida a essa temática. Quando o livro de Jó é visto por esse prisma, torna-se apenas uma alegoria de uma sociedade oprimida e marginalizada economicamente. Portanto, não se deve olhar para o Livro de Jó como um catálogo de ideias socialistas, o que não condiz com a rica mensagem do livro. Sem dúvida, Jó era um homem que defendia a justiça social, mas nem de longe se pode classificá-lo como um socialista nos termos hodiernos.

Embora as questões sociais possam ser discutidas a partir do livro de Jó, a questão contemplada por ele é muito mais relevante. Não pode ser visto como um conflito de classes onde a nobreza e o proletariado estão em conflito, nem tampouco um contraste entre comunismo e capitalismo. Essas são ideologias modernas que são frequentemente transportadas para dentro do texto. Jó transcende em muito a tudo isso. Sem dúvida, ele combate a barganha, fruto da lei da retribuição, mas esse combate dá-se na esfera relacional. A religião verdadeira não se firma em um sistema de troca, nem tampouco de serviços prestados, mas única e exclusivamente na relação de um Deus que ama e em um ser humano que é grato por ser fruto desse amor. Em outras palavras, a verdadeira religião firma-se na graça e na resposta que o ser humano dá a ela. (1)

II. JÓ LAMENTA SEU ESTADO PRESENTE

Teremos como texto base o capítulo 30 de Jó. Este capítulo contrasta com o capítulo 29, no qual é narrado que Jó desfrutava do respeito e honra dos anciãos da cidade e das pessoas importantes; no capítulo 30 Jó é desprezado pelas pessoas mais vis da sociedade.

1. Desprezo por parte dos jovens e das classes menos favorecidas (Jó 30:1-15)

No capítulo 29, Jó fez uma retrospectiva de sua antiga e ditosa condição social, quando era respeitado não apenas pelos mais velhos, mas também pelos mais jovens; agora, no capítulo 30, ele lamenta profundamente a situação de miséria em que havia chegado. No Antigo Oriente, os mais velhos eram objetos de grande estima (Pv.20:29), mas agora Jó era escarnecido pelos mais jovens, cujos pais viviam à margem da sociedade e não serviam nem para cuidar do rebanho ao lado de seus cães; eram exaustos, fracos e pobres; famintos a ponto de se alimentarem de raízes do deserto; viviam como nômades sem casa, expulso do meio dos homens e escorraçados da terra (cf. Jó 30:1-8). São essas escórias da sociedade que passaram a tratar Jó com enorme desprezo. Observe as expressões que descrevem o comportamento desses infames: “sou sua canção de motejo”; “não se abstém de me cuspir no rosto”; “me empurra”; “contra mim prepara o seu caminho de destruição”, etc. (cf. Jó 30:9-15). Em outras palavras, a honra e a felicidade de Jó desapareceram completamente. Jó havia chegado ao fundo do poço. Se estivéssemos numa situação como a de Jó, como reagiríamos? Permaneceríamos fiéis a Deus como Jó permaneceu ou blasfemaríamos contra Deus?

2. Abatimento físico e emocional (Jó 30:16-31)

Jó se sentia abandonado por Deus, por isso, ele se lançou numa profunda tristeza e produziu em sua vida um grande sofrimento físico, e também de natureza emocional e psicológica. Jó estava sendo atormentado pelas dores e tinha o rosto desfigurado pela agonia. Seu corpo reduzido a pó e cinza apenas aguardava a morte. O Senhor não respondia às suas orações e o tratava com truculência, jogando-o de um lado para o outro. Ele sentia que em breve Deus o mataria.

Jó não entendia como o Senhor podia tratar daquela forma um homem que o buscava em desprezo na hora da morte. Ele próprio tivera misericórdia de pessoas em situações difíceis; todavia, chegando sua vez, ninguém demonstrava compaixão. Sua dor intensa aumentava em razão da solidão e rejeição; sua condição física e emocional era assustadora. Como foi possível um homem como ele se tornar “irmão dos chacais e companheiro de avestruz?” (Jó 30:29). Jó imaginava que Deus estava por trás de todo esse sofrimento (Jó 30:19) e que, mesmo depois de clamar, o Altíssimo lhe ignorava. Pelo menos ele discernia que Deus estava por trás de todo esse sofrimento, mas, como ele o amava profundamente, não ousava blasfemar contra o seu Deus.

Nos momentos de provas como estes de Jó somos desafiados a permanecer fiéis a Deus. O apóstolo Paulo, também, foi desafiado em suas cruéis provas. Mas ele não perdeu a esperança de um maravilhoso porvir, não neste mundo, mas no Céu com certeza. Ele disse com firmeza:

“segundo a minha intensa expectação e esperança, de que em nada serei confundido; antes, com toda a confiança, Cristo será, tanto agora como sempre, engrandecido no meu corpo, seja pela vida, seja pela morte. Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho” (Fp.1:20,21).

3. Deus teria abandonado Jó?

Jó além de perder todo o seu patrimônio, e filhos, e amigos, a sua saúde física e emocional, também foi desprezado pelas pessoas que sempre ele estava presente em suas necessidades; até mesmo pelos párias da sociedade da época ele foi desprezado; além disso, teve que conviver com o silêncio de Deus - ele orava, suplicava, clamava, mas Deus não o respondia, e ainda o tratava com truculência. Teria Deus abandonado Jó? Quantas pessoas não passam por esse sentimento? Muitas vezes sentimento de injustiça tem invadido a nossa alma e nos tem deixado combalido, sem ânimo para levantar e caminhar. Quando estamos numa situação semelhante a essa, sentimos a sensação de abandono – abandono das pessoas e de Deus. Mas, Deus nunca abandona os seus filhos. O seu silêncio é uma forma dolorosa de se comunicar conosco. Os seus olhos estão fitos sobre os justos (1Pd.3:12). Está escrito: “Eis que os olhos do SENHOR estão sobre os que o temem, sobre os que firmam toda a esperança em suas misericórdias” (Sl.33:18). Portanto, confiemos no SENHOR de todo o nosso coração e não nos apoiemos no nosso próprio entendimento e conjecturas (Pv.3:5).

III. O FUTURO EM ABERTO DE JÓ

Neste tópico trataremos do futuro incerto de Jó; teremos como base o capítulo 31. No capítulo 29, ele revisou as suas boas obras; aqui no capítulo 31, ele faz uma lista dos pecados que não cometera em seu coração (Jó 31:1-12), contra o próximo (Jó 31:13-23) ou contra Deus (Jó 31:24-34).

1. Jó em defesa de sua ética sexual (Jó 31:1-4)

Jó perseverou em sua inocência, afirmando que nunca olhara para uma donzela com intenção impura, pois sabia que Deus vê e pune esse pecado. Nunca agiu com falsidade e estava convencido que um exame minucioso de sua vida certamente convenceria o Senhor desse fato. Ele não se desviou do caminho da justiça; do contrário, mereceria perder seu largo patrimônio. Não cobiçou a mulher do próximo; caso tivesse feito isso, seria justo que sua esposa se tronasse mulher de outro homem e que seus bens e sua vida fossem destruídos. Disse Jó:

1.Fiz concerto com os meus olhos; como, pois, os fixaria numa virgem?

2.Porque qual seria a parte de Deus vinda de cima, ou a herança do Todo-Poderoso desde as alturas?

3.Porventura, não é a perdição para o perverso, e o desastre, para os que praticam iniquidade?

4.Ou não vê ele os meus caminhos e não conta todos os meus passos?

A nós outros, povo de Deus do Novo Testamento, o apóstolo Tiago nos exorta que a concupiscência ou os desejos ilícitos produzem pecado:

“Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência.
Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte. Não erreis, meus amados irmãos” (Tg.1:14-16).

 2. Jó em defesa de sua ética social (Jó 31:16-23)

Nesta sua última defesa, Jó também fez menção de sua ética social. A justiça social que ele praticara marcou sua forma de agir, como ele já tinha afirmado antes. Mas, isso só foi possível porque procurou conduzir-se sempre por princípios de uma ética social. Jó praticava a caridade para com os pobres, a viúva e o órfão, e tinha compaixão de seus servos e até mesmo de pessoas desconhecidas. Além disso, não cobiçava ouro; nunca se deixou enganar pela idolatria (venerar o sol e a lua); nunca usou de malícia para com seus inimigos; praticava a hospitalidade para com todos; não possuía pecados ocultos, e era honesto na administração de suas terras e empregados (cf. Jó 31:13-37). O comportamento ético-social de Jó o habilitou a agir como juiz dos desvalidos (Jó 31:13-23). 

Lembremos de que o cuidado dos necessitados não é somente o conteúdo do Cristianismo, mas a sua expressão. A preocupação prática da religião de uma pessoa é o cuidado pelos outros. Tiago afirmou que a verdadeira religião é “visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e guardar-se da corrupção do mundo” (Tg.1:27). A religião é a prática da fé, é a fé em ação. Seremos julgados com base nesse aspecto prático da religião (Mt.25:34-46). Quando nós olhamos no espelho da Palavra, nós vemos a Deus, a nós mesmos, e também o nosso próximo. Palavras não substituem obras (Tg.2:14-18; 1João 3:11-18). Pense nisso!

3. Jó busca a resposta de Deus (Jó 31:35-40)

Concluindo a sua defesa, Jó se volta mais uma vez para a urgência do clamor contínuo do seu coração durante todo o diálogo. Deus continuava silente e distante. Jó precisava desesperadamente da oportunidade de defender sua causa. Ele imaginou que as acusações que Deus tinha colocado contra ele deviam ser escritas de forma clara para Jó ver e anotar (Jó 31:35,36). Então seria possível responder e dizer a Deus como ele se comportou. Deus perceberia que ele foi um nobre em sua conduta (Jó 31:37). Jó já havia feito uma viagem retrospectiva sobre o seu passado, agora ele fez uma análise sobre sua situação presente, mas seu olhar estava no futuro.

“Tomara eu tivesse quem me ouvisse! Eis aqui a minha defesa assinada! Que o Todo-Poderoso me responda! Que o meu adversário escreva a sua acusação! Por certo que a levaria sobre o meu ombro, atá-la-ia sobre mim como coroa; mostrar-lhe-ia o número dos meus passos; como príncipe me chegaria a ele” (Jó 31:35-37).

Quanto ao povo do Novo Testamento, os seus atos foram justificados pela graça divina, por meio de Jesus Cristo, o Filho de Deus, que nos justifica (Rm.8:31-33). Quando fomos justificados, fomos atingidos pela graça divina (Rm.5:18), graça que sobrepuja a nossa velha natureza, de tal sorte que o apóstolo Paulo diz que “onde o pecado abundou, superabundou a graça” (Rm.5:20), como também que, na vida do justificado, a graça reina pela justiça para a vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor (Rm.5:21). A graça, portanto, passa a ser o critério do nosso relacionamento com Deus. Somos, a todo momento e instante, atingidos pelo favor imerecido do Senhor. É por este motivo que o tempo em que vivemos é denominado de “dispensação da graça” (cf. Ef.3:2), ou seja, o período em que o relacionamento de Deus para com os homens é orientado pela “graça”, pelo favor divino em relação ao homem que não leva em consideração os méritos humanos.

Finalmente, Jó pediu para que a própria terra (Jó 31:38) fosse sua testemunha. Ele tratou a terra, seus produtos e seus donos (Jó 31:39) de maneira justa; caso não tivesse feito isso, ele mais uma vez pediu para que maldição caísse sobre a sua terra por meio de cardos e joio (Jó 31:40). Jó ardentemente clamava por justiça, pois tinha consciência de que não pecara contra Deus nem contra o próximo. Com esse protesto final de inocência, Jó conclui sua defesa.

“Se a minha terra clamar contra mim, e se os seus sulcos juntamente chorarem; se comi os seus frutos sem tê-la pago devidamente e causei a morte aos seus donos, por trigo me produza cardos, e por cevada, joio. Fim das palavras de Jó” (Jó 31:38-40).

CONCLUSÃO

Nesta Aula tratamos da última defesa de Jó, exarada nos capítulos 29, 30 e 31. Neles, Jó fez menção de seu próspero e abençoado passado e como ele agiu com integridade e consideração com os menos favorecidos da sociedade de sua época; não somente com essas pessoas, mas com todos ele agiu com equidade. A sua riqueza superabundante não torceu o seu caráter nem o seu relacionamento com Deus e com o próximo. Segundo ele, nunca agiu de forma injusta com ninguém nem tampouco cometeu pecados que o desonrassem moralmente. E no final de sua defesa ele ousou se apresentar diante de seu Deus e almejar receber dEle a decisão de que foi injustiçado e que seus atos apontavam como um homem inculpado.

JÓ E A INESCRUTÁVEL SABEDORIA DE DEUS

 

Texto Base: Jó 28:1-28

 “Mas disse ao homem: Eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e apartar-se do mal é a inteligência” (Jó 28:28).

Jó 28:

1.Na verdade, há veios de onde se extrai a prata, e, para o ouro, lugar em que o derretem.

2.O ferro tira-se da terra, e da pedra se funde o metal.

3.O homem pôs fim às trevas e até à extremidade ele esquadrinha, procurando as pedras na escuridão e na sombra da morte.

4.Trasborda o ribeiro até ao que junto dele habita, de maneira que se não pode passar a pé; então, intervém o homem, e as águas se vão.

5.A terra, de onde procede o pão, embaixo é revolvida como por fogo.

6.As suas pedras são o lugar da safira e têm pós de ouro.

7.Essa vereda, a ignora a ave de rapina, e não a viram os olhos da gralha.

8.Nunca a pisaram filhos de animais altivos, nem o feroz leão passou por ela.

9.Ele estende a sua mão contra o rochedo, e revolve os montes desde as suas raízes.

10.Dos rochedos faz sair rios, e o seu olho descobre todas as coisas preciosas.

11.Os rios tapa, e nem uma gota sai deles, e tira para a luz o que estava escondido.

12.Mas onde se achará a sabedoria? E onde está o lugar da inteligência?

13.O homem não lhe conhece o valor; não se acha na terra dos viventes.

14.O abismo diz: Não está em mim; e o mar diz: Ela não está comigo.

15.Não se dará por ela ouro fino, nem se pesará prata em câmbio dela.

16.Nem se pode comprar por ouro fino de Ofir, nem pelo precioso ônix, nem pela safira.

17.Com ela se não pode comparar o ouro ou o cristal; nem se trocará por joia de ouro fino.

18.Ela faz esquecer o coral e as pérolas; porque a aquisição da sabedoria é melhor que a dos rubis.

19.Não se lhe igualará o topázio da Etiópia, nem se pode comprar por ouro puro.

20.De onde, pois, vem a sabedoria, e onde está o lugar da inteligência?

21.Porque está encoberta aos olhos de todo vivente e oculta às aves do céu.

22.A perdição e a morte dizem: Ouvimos com os nossos ouvidos a sua fama.

23.Deus entende o seu caminho, e ele sabe o seu lugar.

24.Porque ele vê as extremidades da terra; e vê tudo o que há debaixo dos céus.

25.Quando deu peso ao vento e tomou a medida das águas;

26.quando prescreveu uma lei para a chuva e caminho para o relâmpago dos trovões,

27.então, a viu e a manifestou; estabeleceu-a e também a esquadrinhou.

28.Mas disse ao homem: Eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e apartar-se do mal é a inteligência.

INTRODUÇÃO

Dando continuidade ao estudo do Livro de Jó, trataremos nesta Aula a respeito da “inescrutável sabedoria de Deus”. Teremos como texto base o capítulo 28 de Jó. Neste capítulo, Jó mais uma vez questionou a fonte da sabedoria de Elifaz, Bildade e Zofar, pois suas respostas não passavam de uma exposição filosófica que nada tinha a ver com as verdades profundas de Deus.

Muitas pessoas estão em busca da verdade e outras já desistiram de buscar, há bastante tempo. O problema da humanidade é que ela tem buscado a verdade em lugares que não a apresentarão de maneira satisfatória, como a filosofia natural e a ciência sem Deus, por exemplo. O ser humano é capaz de tantas coisas, mas não de encontrar sabedoria. Jó descreveu a incrível capacidade humana de cavar a terra, remover montanhas e atravessar rochas em busca de tesouros, mas não tem habilidade alguma de encontrar a sabedoria de Deus. Jó encerra o capítulo 28 com uma afirmação muito comum no livro de Provérbios, dizendo que a sabedoria está em temer ao Senhor (Jó 28:28). Temer ao Senhor não é ter medo dEle, mas demonstrar a Ele reverência. A motivação para um filho obedecer a seu pai deve ser o respeito e o amor a ele, mais do que o medo de ser castigado. Portanto, segundo as Escrituras Sagradas, uma pessoa sábia não é aquela que domina vários idiomas e dialetos, não é a que tem mais habilidade de ler livros e absorver conhecimento, não é aquela conhecedora exímia de filosofia, não é aquela que possui profundo conhecimento de teologia, não é aquela que possui profundo conhecimento da literatura nacional e mundial, não. Segundo as Escrituras, a pessoa sábia é aquela que tem o temor do Senhor - “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Sl.111:10; Pv.9:10).

I. A SABEDORIA VISTA COMO UM BEM NATURAL

1. O empenho na busca da sabedoria

Em Jó 28:1-14 o autor contrasta o árduo trabalho do homem na busca por bens preciosos nas entranhas da terra com a busca pela sabedoria. Jó esquece suas feridas e todas as suas angústias, e fala como um filósofo. Neste discurso há uma grande dose de filosofia moral e, também, natural. Aqui, Jó discorre a respeito da riqueza terrena, e quão diligentemente ela é buscada e perseguida pelos filhos dos homens, os esforços que eles fazem, os planos que elaboram, e os riscos que correm para obtê-la (Jó 28:1-11). Assim como o profissional do minério usa diligentemente a tecnologia na busca de metais preciosos, também ele deve empreender um grande esforço para encontrar a Sabedoria; o seu preço é muito elevado, é de valor inestimável (Jó 28:15-19). Os tesouros existem, mas estão enterrados; a Sabedoria existe, é um bem mui precioso, mas o seu lugar é extremamente secreto (Jó 28:14,20,22); é necessário grande empenho para alcançá-la.

2. Como quem explora o minério, assim o homem faz com a Sabedoria

O narrador expõe a diligência do homem na exploração do minério nas entranhas da terra (Jó 28:3-11). O homem vai até o fundo da terra (Jó 28:2) para descobrir metais e pedras preciosas. Para colocar um “fim às trevas” (Jó 28:3), os habilidosos na mineração vão até as profundezas da terra como se fossem luz. As minas geralmente são locais de difícil acesso e de pouca iluminação, por isso, há a necessidade de se abrir caminho e colocar luz artificial. Por meio da diligência e invenção deles, podem encontrar o tesouro escondido – “as pedras na escuridão” (Jó 28:3-5).

3.O homem pôs fim às trevas e até à extremidade ele esquadrinha, procurando as pedras na escuridão e na sombra da morte.

4.Trasborda o ribeiro até ao que junto dele habita, de maneira que se não pode passar a pé; então, intervém o homem, e as águas se vão.

5.A terra, de onde procede o pão, embaixo é revolvida como por fogo.

Entende-se aqui que aqueles que trabalham nas minas procuram os limites dos lugares escuros, aventurando-se nos recônditos mais remotos para obter minério; eles cavam poços profundos nos vales, em lugares remotos, raramente visitados por alguém, e descem neles, pendurados em cordas que oscilam para frente e para trás. Da terra o homem obtém o pão de cada dia, mas debaixo da superfície a terra é revolvida como por fogo (Jó 28:5).

A atividade e a engenhosidade do homem são maravilhosas, mas em todo esse empreendimento a “sabedoria” (Jó 28:12) não é descoberta. Ter conhecimento técnico profundo para explorar pedras preciosas não significa ter Sabedoria de Deus, pois ela não se acha na terra dos viventes” (Jó 28:13); ela não se encontra no abismo nem no mar (Jó 28:14). Por mais extraordinária que a exploração e a descoberta humana possam parecer, as pessoas não conseguem nem mesmo começar a sondar a sabedoria divina. As mentes humanas mais privilegiadas não conseguem descobri-la ou explorá-la. Os amigos de Jó tentaram, diligentemente, examinar o sábio entendimento de Deus acerca da situação de Jó, mas não obtiveram êxito; a Sabedoria suprema sempre permanece elusiva e além da compreensão humana.

3. De onde vem a Sabedoria?

Jó reconhece que a sabedoria está oculta a todos os seres da terra, mesmo às aves do céu, que podem enxergar longe, do alto (Jó 28:21). Jó demonstrou que o homem tem sido exitoso no seu trabalho de exploração de minérios, porém, incapacitado na “escavação da sabedoria”; tem procurado, mas não encontrado. Por que isso? Porque a verdadeira Sabedoria está escondia em Deus, e é Ele quem a revela; ela é dádiva de Deus (Pv.2:6).

“Porque o SENHOR dá a sabedoria, e da sua boca vem o conhecimento e o entendimento”.

A verdadeira Sabedoria, portanto, não se recebe nos bancos de uma escola, universidade, nem se aprende com a leitura de bons livros. Sabedoria não é um dote natural, é um dom exclusivo de Deus; emana das alturas; procede do Céu. Existe uma sabedoria terrena, mas não é sobre essa Sabedoria que estamos aqui tratando. Estamos tratando da Sabedoria divina, a Sabedoria que vem do Céu; essa deve ser desejada e pedida; deve ser buscada como buscamos a prata e o ouro.

Aqueles que pedem a Deus sabedoria, esses a recebem (Tg.1:5). Só Deus concede esse dom. Só de Deus procede essa boa dádiva. Da boca de Deus emanam a inteligência e o entendimento. A compreensão da vida e o discernimento dos propósitos da existência são o resultado de conhecermos a Deus. Aqueles que andam com Deus são sábios. Aqueles que amam a Deus têm inteligência e compreensão para discernir entre o bem e o mal, para separar o precioso do vil. É da boca de Deus, ou seja, de Sua Palavra, que procede a verdadeira compreensão acerca de Deus e da humanidade, do tempo e da eternidade, da vida e da morte. Aqueles que se apartam dos preceitos divinos entregam-se a estultícia, mas aqueles que se dedicam a conhecê-los e ensiná-los experimentam segurança e deleite, tanto no tempo presente como na eternidade. (1)

A Sabedoria somente se manifesta de forma prática na vida dos homens através do temor do Senhor. Como já frisei, a pessoa sábia é aquela que tem o temor do Senhor - “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Sl.111:10; Pv.9:10). Portanto, a Sabedoria é relacional. Este foi um testemunho que o próprio Deus já havia dado sobre Jó. Ao contrário de seus amigos, ele vivia a sabedoria divina.

Temer a Deus, portanto, é conhecê-lo, honrá-lo, obedecer-lhe. Temer a Deus é colocar os pés na estrada da santidade e beber das torrentes da felicidade. Quando tememos a Deus, nossos dias são dilatados na terra e somos poupados de muitas aflições. O temor ao Senhor é o grande freio moral que nos protege das propostas sedutoras do enriquecimento ilícito e nos blinda da sedução perigosa das aventuras sexuais. O temor ao Senhor nos afasta dos caminhos escorregadios e firma os nossos passos nas veredas da justiça. O temor ao Senhor nos desvia de companhias erradas e de lugares errados.

II. A SABEDORIA VISTA COMO UM BEM COMERCIAL

1. O preço da Sabedoria

Assim como aqueles que trabalham nas minas tem um esforço hercúleo para conseguir o que quer, também os que buscam a Sabedoria que vem de Deus precisam pagar um alto preço de sacrifício e devotamento. Segundo Jó, a Sabedoria vinda de Deus não tem um preço tangível que se possa oferecer para adquiri-la, o seu valor é incalculável; é patrimônio exclusivo de Deus, por isso, não pode ser transmitida. Portanto, o caminho da Sabedoria não pode ser encontrado tão facilmente. Como afirma Jó, a Sabedoria não está na terra ou no mar e não pode ser comprada ou avaliada, pois seu valor excede o precioso ônix, a safira e até mesmo o ouro puro (Jó 28:12-19).

12.Mas onde se achará a sabedoria? E onde está o lugar da inteligência?

13.O homem não lhe conhece o valor; não se acha na terra dos viventes.

14.O abismo diz: Não está em mim; e o mar diz: Ela não está comigo.

15.Não se dará por ela ouro fino, nem se pesará prata em câmbio dela.

16.Nem se pode comprar por ouro fino de Ofir, nem pelo precioso ônix, nem pela safira.

17.Com ela se não pode comparar o ouro ou o cristal; nem se trocará por joia de ouro fino.

18.Ela faz esquecer o coral e as pérolas; porque a aquisição da sabedoria é melhor que a dos rubis.

19.Não se lhe igualará o topázio da Etiópia, nem se pode comprar por ouro puro.

2. O valor da Sabedoria

“O homem não lhe conhece o valor; não se acha na terra dos viventes” (Jó 28:13).

Jó declarou que a Sabedoria não pode ser encontrada entre os viventes. É natural que as pessoas que não compreendem a importância da Palavra de Deus busquem sabedoria neste mundo. Elas procuram filósofos e outros mestres do saber que lhes forneçam direção para a vida. Por este motivo, Jó afirmou que a Sabedoria não é encontrada ali. Lamentavelmente, o homem ainda não aprendeu o verdadeiro valor da Sabedoria nem onde encontrá-la e que, por isso, acredita ser fácil adquiri-la. Nenhum mestre ou grupo de mestres pode produzir conhecimento ou percepção suficientes para explicar a totalidade da experiência humana. A interpretação definitiva da vida, de quem somos e para onde vamos, precisa vir de cima. Quando buscamos orientação, procuramos a Sabedoria de Deus como revelada na Bíblia. Para sermos elevados além dos limites da vida, precisamos conhecer e confiar no Senhor da vida.

Salomão, na sua cosmovisão, falando do valor da sabedoria, disse: “Porque melhor é a Sabedoria do que joias e, de tudo o que se deseja, nada se pode comparar com ela” (Pv.8:11). O ser humano corre sofregamente atrás de prata, ouro, joias e riquezas. Investe seu tempo, usa sua energia, devota sua inteligência e emprega seus talentos para amealhar riquezas. Muitos chegam a alcançar sucesso nessa empreitada, porém deixam para trás os destroços de sua busca insaciável. Há aqueles que destroem o casamento e a família para atingirem o topo da pirâmide social; acumulam bens, mas perdem a família; ajuntam tesouros, mas perdem a alma.

A Sabedoria divina nos adverte: o conhecimento é melhor do que o ouro escolhido; a Sabedoria é melhor do que joias. Nada neste mundo, nem as riquezas nem os prazeres, pode ser comparado à sabedoria. O néscio ajunta tesouros julgando que essa riqueza lhe dará felicidade e segurança; porém, esses tesouros acabam se transformando no combustível de sua própria destruição. Quando alguém busca conhecimento e sabedoria em vez de correr atrás de prata, ouro e joias, encontra segurança, felicidade e riqueza. (2)

Infelizmente, hoje, o mundo tem muito conhecimento, porém, pouca sabedoria. Somos considerados a sociedade do conhecimento. Avançamos em ciência, tecnologia e comunicação. Temos satélites e a internet, e sabemos que muito mais novidade vem por aí. O mesmo conhecimento que nos trouxe conquistas e conforto, trouxe-nos guerras e morte. Tanto não alcançamos felicidade pelo livre e pleno exercício da razão, como multiplicamos alternativas emocionais, hedonistas, utilitárias e egocêntricas para a vida comum. Distanciamo-nos uns dos outros; estranhamo-nos; isolamo-nos. Nossos índices de drogadição, alcoolismo, acidentes de trânsito, conflitos e dissoluções familiares aumentaram drasticamente.

Diante desse quadro, eis uma conclusão: temos muito conhecimento, mas pouca sabedoria. Conhecimento é domínio da informação que se refere ao objeto de interesse; sabedoria é a capacidade de utilizar o conhecimento em prol da vida e dos relacionamentos. O sábio não é, necessariamente, aquele que tem muito conhecimento, mas aquele que canaliza adequadamente para as ações e decisões do dia-a-dia todo o conhecimento que tem. Assim, um morador da periferia, um profissional artesanal, um administrador de negócio próprio sem formação acadêmico, uma dona de casa ou um jovem que trabalha no campo podem ser mais sábios que um doutor ou um professor universitário. Com certeza, nossa geração é a geração do conhecimento, mas carece de uma sabedoria que a ajude a encontrar veredas de vida e paz. (3)

3. A Sabedoria não é um bem comercial

Jó afirmou que a Sabedoria não é um bem comercial, e que o seu valor é inestimável e só quem pode concedê-la é Deus; portanto, não pode ser encontrada em qualquer lugar. Ela é o tesouro mais precioso do que ouro puro (Jó 28:19). Deve ser desejada mais do que a prata e o ouro refinado. Deve ser buscada mais do que o sucesso. É um bem que deve ser mais cobiçado do que a riqueza. Muitos desprezam a Sabedoria como se ela não fosse desejável; preferem os prazeres, cobiçam as riquezas, anseiam o sucesso; outros, mesmo tendo ouvido sobre o caminho excelente da sabedoria, apartam-se voluntária e afrontosamente dessa vereda; buscam caminhos mais sedutores; colocam os pés em estradas cercadas por mais aventuras; cobiçam coisas mais imediatas. O fim dessas escolhas insensatas, entretanto, é a decepção e o fracasso. É melhor ser um sábio pobre do que um rico tolo. É melhor ter Sabedoria do que ajuntar riquezas. É melhor obedecer aos preceitos de Deus do que deles se apartar.

III. A SABEDORIA VISTA COMO UM BEM ESPIRITUAL

1. Uma Verdade revelada

Pergunta o narrador: “De onde, pois, vem a sabedoria, e onde está o lugar da inteligência?” (Jó 28:20). No capítulo 28:13-19, Jó fez um contraste entre o trabalho de um minerador e o de quem procura a sabedoria. Ao contrário de Bildade, que chama o ser humano de “verme”, Jó admite a inteligência e a destreza dos homens para minerar a terra. O sucesso humano na mineração é prova de sua inteligência e habilidade; apesar disso, o homem fracassou completamente em sua busca por Sabedoria. Também as riquezas deste mundo são incapazes de comprá-la, pois ela não é um bem comercial (Jó 28:13-19). Jó afirma que a Sabedoria está escondida dos olhos de todo vivente (Jó 28:21); ela não está no centro da terra, nem com os sábios, de forma que possa ser passada pela simples via da tradição ou do conhecimento. Somente Deus é capaz de doá-la (Jó 28:21-28). O abismo e a morte apenas ouviram falar dela. Deus, o Criador da natureza, é a origem da sabedoria, pois o Senhor “lhe entende o seu caminho, e ele sabe o seu lugar. Eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e apartar-se do mal é a inteligência” (Jó 28:23,28).

Contudo, a Sabedoria não é uma ideia abstrata, é uma Pessoa concreta. Não é uma pessoa meramente humana, mas a Pessoa divina. A Sabedoria é uma expressão eloquente do próprio Jesus, o Filho de Deus, que foi revelado na plenitude dos tempos (Gl.4:4). A Sabedoria faz soar sua voz, em tempo e fora de tempo, e em todos os lugares, a fim que todos conheçam sua mensagem. Sua mensagem é urgente e absolutamente vital. Tapar os ouvidos à voz da Sabedoria é caminhar para a morte e fazer uma viagem rumo ao desastre. Deus nos falou muitas vezes, de muitas maneiras, aos pais pelos profetas, mas agora ele nos fala pelo seu Filho, a Verdade revelada. Jesus é a Sabedoria de Deus; ouvir sua voz é viver; obedecer à sua voz é caminhar para a bem-aventurança eterna.

2. Uma Verdade prática

A Sabedoria não deve ser apenas sentida, ou contemplada, mas deve ser, principalmente, praticada. Ela deve ser uma realidade presente em nosso coração, e não apenas um vocábulo que está grafado nos dicionários. Nosso coração precisa ser a morada da Sabedoria. Ela precisa nos governar e ter todas as chaves da nossa vida. Não pode ser apenas uma inquilina sem autoridade de fazer as mudanças necessárias.

A Sabedoria precisa ser a dona da “casa”. Não pode ser apenas uma hóspede, que vem e vai embora, mas sim uma residente permanente. Quando a sabedoria é entronizada em nossa vida, então nos tornamos sábios. Salomão, ao ser entronizado rei de Israel, não pediu riqueza nem poder; pediu Sabedoria, e, com a Sabedoria vieram as demais coisas. Aqueles que são templos da Sabedoria descobrem que o conhecimento de Deus traz gozo e paz, uma fonte perene de delícias para a alma. (4)

A Sabedoria se materializa no temor do Senhor. Jó disse que a Sabedoria está no “temor do Senhor” (Jó 28:28). O temor a Deus é o princípio da Sabedoria. Quem teme a Deus afasta-se do mal, e quem se afasta do mal evita uma abundância de problemas na vida. Quem teme a Deus não desperdiça sua saúde em noitadas de aventuras. Quem tema a Deus não intoxica seu corpo com nicotina nem com outras drogas pesadas. Quem teme a Deus não se pende aos ditamos do alcoolismo. Quem teme a Deus não entrega seu corpo à impureza nem chafurda na lama da promiscuidade sexual. Quem teme a Deus não entrega sua língua à maledicência nem compra brigas desnecessárias, para depois viver amargurado. Quem teme a Deus semeia amor e colhe compreensão. Quem teme a Deus não guarda mágoa em seu coração, mas abençoa quem o maldiz. Portanto, a Sabedoria é uma verdade revelada e tem implicações práticas.

3. Cuidado com a falsa sabedoria

Nada é mais contrário à sabedoria do que a presunção. A sabedoria que se impõe pela empáfia e pela soberba é consumada tolice. O sábio é aquele que não faz propaganda de si mesmo. A sabedoria sempre anda de mãos dadas com a humildade; sempre se veste de modéstia. Salomão assim se expressou: “Não sejas sábio a teus próprios olhos; teme ao SENHOR e aparta-te do mal” (Pv.3:7). Aqui, ele dá três conselhos:

  • Primeiro conselho - a necessidade imperativa da humildade. Só os humildes conhecem a ciência da sabedoria, e só os humildes serão exaltados.
  • Segundo conselho - a necessidade de sermos guiados na vida pelo temor ao Senhor. Só o temor a Deus nos livra de quedas e fracassos. Só o temor a Deus nos abre os portais da sabedoria.
  • O terceiro conselho - a necessidade de nos afastarmos de tudo o que é errado. Ninguém é regido pela sabedoria fazendo o mal e firmando alianças com aqueles que vivem na prática da injustiça.

Portanto, humildade de coração, temor ao Senhor e santidade de vida são os pilares da verdadeira sabedoria. Buscá-la em outras fontes é cavar cisternas rotas. Tocar trombetas para fazer apologia de si mesmo é insensatez. Nenhum engano é mais perigoso do que o autoengano. Nenhuma humilhação é mais notória do que aquela colhida pelos que exaltam a si mesmos. Não construa monumentos a si mesmo. Viva para a glória de Deus. Fuja da falsa sabedoria. (5)

CONCLUSÃO

Vimos que mesmo com empenho na busca da Sabedoria divina, os resultados não são satisfatórios. Não podemos alcançá-la, senão pela revelação divina. Ela está em Deus e somente Ele pode outorgá-la; somente Ele pode revelá-la - “O Senhor dá a sabedoria” (Pv.2:6) -, entretanto, ela não é encontrada nos segredos da natureza ou da providência, mas nas regras para o nosso próprio proceder. O temor do Senhor é o princípio da sabedoria. Portanto, a Sabedoria se materializa no temor do Senhor. Logo, quem teme ao Senhor é sábio. Assim sendo, devemos engendrar esforços para alcançá-la. Muitos lutam bravamente para ser ricos; nesse projeto, empregam toda a sua energia e, às vezes, para alcançar seu propósito, perdem a própria alma. Outros tem como sentido da vida a busca sôfrega por preencher o vazio do coração. Salomão, que granjeou fortunas colossais e desfrutou de prazeres mil, diz que alcançar a sabedoria é o melhor de todos os projetos de vida. Quem alcança a sabedoria tem acesso à árvore da vida – come de seus frutos deliciosos e repousa debaixo de sua sombra abençoadora.

A TEOLOGIA DE ZOFAR: O JUSTO NÃO PASSA POR TRIBULAÇÃO

 

Texto Base: Jó 11:1-10; 20:1-10


“E terás confiança, porque haverá esperança; olharás em volta e repousarás seguro” (Jó 11:18).

Jó 11

1.Então, respondeu Zofar, o naamatita, e disse:

2.Porventura, não se dará resposta à multidão de palavras? E o homem falador será justificado?

3.Às tuas mentiras se hão de calar os homens? E zombarás tu sem que ninguém te envergonhe?

4.Pois tu disseste: A minha doutrina é pura; limpo sou aos teus olhos.

5.Mas, na verdade, prouvera Deus que ele falasse e abrisse os seus lábios contra ti,

6.e te fizesse saber os segredos da sabedoria, que é multíplice em eficácia; pelo que sabe que Deus exige de ti menos do que merece a tua iniquidade.

7.Porventura, alcançarás os caminhos de Deus ou chegarás à perfeição do Todo-Poderoso?

8.Como as alturas dos céus é a sua sabedoria; que poderás tu fazer? Mais profunda é ela do que o inferno; que poderás tu saber?

9.Mais comprida é a sua medida do que a terra; e mais larga do que o mar.

10.Se ele destruir, e encerrar, ou juntar, quem o impedirá?

Jó 20

1.Então, respondeu Zofar, o naamatita, e disse:

2.Visto que os meus pensamentos me fazem responder, eu me apresso.

3.Eu ouvi a repreensão, que me envergonha, mas o espírito do meu entendimento responderá por mim.

4.Porventura, não sabes tu que desde a antiguidade, desde que o homem foi posto sobre a terra,

5.o júbilo dos ímpios é breve, e a alegria dos hipócritas, apenas de um momento?

6.Ainda que a sua altura suba até ao céu, e a sua cabeça chegue até às nuvens,

7.como o seu próprio esterco perecerá para sempre; e os que o viam dirão: Onde está?

8.Como um sonho, voa, e não será achado, e será afugentado como uma visão da noite.

9.O olho que o viu jamais o verá, nem olhará mais para ele o seu lugar.

10.Os seus filhos procurarão agradar aos pobres, e as suas mãos restaurarão a sua fazenda.

INTRODUÇÃO

Nesta Aula trataremos dos discursos de Zofar, o terceiro amigo de Jó, provavelmente, o mais novo dos três que são mencionados em Jó 2:11. A Bíblia diz-nos que ele era natural de Naamá, região que é identificada como sendo um dos pequenos reinos que havia, na época, no território da atual Arábia Saudita. Ele fez apenas dois discursos, um no capítulo 11 e o outro no capítulo 20, nos quais nota-se a mesma ideia de que o sofrimento advém do pecado; neles estão implícitos os argumentos relativos ao dogma da retribuição, ou seja, se for justo será abençoado com todas as bênçãos materiais, que não haverá sofrimento para o justo, enquanto os ímpios sofrerão as piores dores, sofrimentos, intempéries; segundo este entendimento, o justo não passa por tribulação. Sendo assim, se Jó estava sofrendo era porque estava em pecado, e por causa disso, ele merecia sofrer ainda mais do que já tinha sofrido (Jó 11:6). Zofar vociferou que se Jó se desviasse do pecado e voltasse para Deus, seus sofrimentos cessariam imediatamente, e a segurança, a prosperidade e a felicidade voltariam para ele (Jó 11:13-19).

Os discursos de Zofar, porém, não têm apoio nas Escrituras Sagradas. A Bíblia não garante uma vida aqui neste mundo sem sofrimento, sem tribulação, sem provas, mesmo sendo a pessoa mais justa da terra, como era Jó. Como diz o Rev. Hernandes Dias Lopes, “a vida cristã não é um mar de rosas, não é uma redoma de vidro, não é uma estufa espiritual; o cristianismo não é uma sala vip, não é uma colônia de férias, antes, é um campo de batalha”. Enquanto estivermos neste mundo, enfrentaremos muitas crises. Jesus alertou os discípulos de que o futuro não seria marcado por amenidades, pois enfrentariam crises, aflições no mundo. Ele disse: “... no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo; eu venci o mundo”(João 16:33). Contudo, “por muitas tribulações nos importa entrar no Reino de Deus” (Atos 14:22).

I. DEUS SE MOSTRA SÁBIO QUANDO AFLIGE O PECADOR

Neste tópico trataremos do primeiro discurso de Zofar (Jó 11:1-20).

1. Deus grande e sábio (Jó 11:7-12)

7.Porventura, alcançarás os caminhos de Deus ou chegarás à perfeição do Todo-poderoso?

8.Como as alturas dos céus é a sua sabedoria; que poderás tu fazer? Mais profunda é ela do que o inferno; que poderás tu saber?

9.Mais comprida é a sua medida do que a terra; e mais larga do que o mar.

10.Se ele destruir, e encerrar, ou juntar, quem o impedirá?

11.Porque ele conhece os homens vãos e vê o vício; e não o terá em consideração?

12.Mas o homem vão é falto de entendimento; sim, o homem nasce como a cria do jumento montês.

Nos capítulos 9 e 10 Jó fez afirmações fortes em relação à sua inocência. Por exemplo, em 10:13-22 Jó perguntou por que Deus o afligia com tantas desgraças. Aparentemente, Jó não via diferença entre ser justo ou ímpio e considerava sua vida repleta de ignominia divina. Por que Deus o fez nascer? Por que não lhe concedeu um pouco de alento antes que fosse para a terra da morte, onde a própria luz é tenebrosa? Ao fazer essas afirmações, Jó forçou os seus amigos a considerar essa questão de forma ousada.

Zofar respondeu o questionamento de Jó de forma humilhante. Respondeu a Jó dizendo que aquele “palavrório” arrogante não poderia ficar sem resposta. Para ele, Jó valeu-se na sua defesa de palavras exageradas (Jó 11:2), desrespeitosas (Jó 11:3), cheias de justiça própria (Jó 11:4) e ignorantes sobre as coisas de Deus (Jó 11:5,6). Se ao menos pudesse ver as coisas do ponto de vista de Deus, continuou Zofar, perceberia que, na verdade, não estava sofrendo tudo o que merecia. Segundo ele, o sofrimento de Jó fazia parte de um sábio julgamento divino, pois, para ele, Deus demonstra grande sabedoria em reprimir os maus; sua ignorância quanto à grandeza do Senhor o tornava inapto a questionar a justiça divina.

Note que Zofar procurou fundamentar a sua acusação contra Jó no fato de que Deus está acima dos homens; que nós, humanos, não podemos desvendar os Seus segredos e a Sua sabedoria (Jó 11:5-9). Entretanto, logo no limiar de seu discurso sobre a grandeza de Deus, Zofar apresentou uma noção de Deus bem diversa da de Jó. Disse Zofar: " …oxalá que Deus falasse e abrisse os Seus lábios contra ti" (Jó 11:5), ou seja, para ele, Deus era um ser tão superior que não se preocupava com o ser humano. Para ele, Deus está muito acima dos homens para lhes ouvir as palavras. Esta é a primeira ideia que caracteriza o chamado "deísmo", que é a crença em um Deus, mas um Deus tão distante, um Deus que não intervém no dia-a-dia dos seres humanos, um Deus que criou o Universo que, como uma máquina, funciona sozinho, sem que o Criador esteja fazendo algo que não seja mantê-lo funcionando, segundo as regras e normas por Ele soberanamente estabelecidas; é um Deus existente, mas ausente.

Zofar não vê como possível um contato íntimo e contínuo entre Deus e o homem. Segundo ele, Deus é muito superior e sublime para se preocupar com uma criatura tão desprezível como é o homem. Deus, dizia Zofar, é quem possui os segredos da sabedoria, é quem tem uma eficácia múltipla e que exige dos homens menos que merecem, diante de sua iniquidade. É impossível querer se aproximar de Deus, afirma Zofar, pois jamais alcançaremos a Sua perfeição ou alcançaremos os Seus caminhos (Jó 11:6,7). Deus é maior do que possamos imaginar e ninguém pode impedir a Sua operação (Jó 11:8-10).

Para Zofar, não havia dúvida alguma: é impossível que o homem possa ter uma doutrina pura e ser limpo aos olhos do Senhor. Assim sendo, Jó estava mentindo (Jó 11:3), era um hipócrita e o seu sofrimento era a prova de que não poderia ser alguém puro diante de Deus.

Zofar foi ainda mais duro em sua repreensão. Em Jó 11:12 ele fez uma declaração particularmente grosseira, obviamente dirigida a Jó: “Mas o homem estúpido se tornará sábio, quando a cria de um asno montês nascer homem”. Aqui, Zofar avaliou o comportamento de Jó como de um animal irracional, um jumento que não tem entendimento, ao não perceber a sabedoria divina na condução das coisas.  Com essas palavras, Zofar não demonstrou a mínima compaixão pelo sofrimento de Jó.

Como podemos perceber, Zofar estava redondamente enganado, mas as "evidências" davam-lhe razão. Será que, se não soubéssemos o que havia ocorrido naquela reunião entre Deus e Satanás, não estaríamos concordando com o raciocínio simplista, mas forte de Zofar? Como temos agido diante de irmãos na fé que têm padecido semelhantemente? Temos lhes dado a presunção da inocência ou temos sido tão vigorosos como Zofar? Lembremo-nos, porém, que, quem tem o verdadeiro amor cristão, o amor descrito em 1Co.13, diz-nos as Escrituras, "não trata com leviandade (…) não suspeita mal" (1Co.13:4,5).

2. Deus não é indiferente à ação do ímpio

Para Zofar, Deus, apesar de ausente, não é indiferente à ação do ímpio. Assim sendo, se Jó estava sofrendo desgraças era porque estava em pecado. Para Zofar, não adiantaria Jó querer dialogar com  Deus afirmando que ele era justo e que não merecia estar numa situação caótica que estava passando, como parece ter sugerido (cf. Jó 9:21; 10:7; Jó 11:4), pois certamente Deus ficaria contra ele e, certamente, Jó seria condenado.

Para Zofar, Deus conhece os caminhos dos homens e considera os gestos praticados pelos homens, mas é uma consideração distante, uma observação contemplativa, ou seja, Deus vê a iniquidade do homem, mas não Se compadece dessa maldade, antes espera que o homem, por si só, arrependa-se, a fim de obter os benefícios deste gesto de arrependimento, pois, caso não o faça, Deus, certamente, fará cair sobre o pecador os danos do seu pecado, pois assim estabeleceu ao ordenar e criar todas as coisas (Jó 11:11). Vemos, pois, que, segundo Zofar, Deus apenas olha, apenas vê a Sua criação, mas nela não intervém. Diante de um Deus distante e ausente, para o homem só haverá salvação se ele próprio se arrepender, se ele próprio endireitar os seus caminhos, pois, caso contrário, Deus somente poderá lhe punir, ante as leis que Ele mesmo estabeleceu (Jó 11:12-20). Esta era a teoria teológica de Zofar, porém, as Escrituras Sagradas não chancelam essa teoria fracassada que ainda hoje tem grassada em muitas comunidades que se dizem cristãs. Deus não é indiferente à ação do ser humano, quer seja ele justo ou ímpio.

3. Tolos se passando por sábios

Jó não ficou silente diante das acusações de Zofá. Apesar do seu sofrimento físico e emocional, ele reagiu ao discurso deletério de Zofar. Jó começou a sua resposta a Zofar (capítulos 12 a 14) com uma ironia, afirmando que só os seus amigos eram sábios na face da Terra (Jó 12:2) – “Na verdade, que só vós sois o povo, e convosco morrerá a sabedoria”. Jó afirmou que também tinha a mesma capacidade de pensamento de seus amigos, não podendo ser considerado inferior.

Assim, Jó demonstrou, num primeiro momento, que pela razão, existente em todas as pessoas, todos podem chegar ao conhecimento de Deus, mas, se de um lado isto representaria uma demonstração de que os "deístas" tinham razão ao advogar a tese de que Deus pode ser conhecido pela razão, por outro lado, retiraria o argumento de superioridade que seus amigos estavam tentando demonstrar para que Jó pudesse aceitar que eles estavam certos e que, portanto, deveria reconhecer-se como pecador e se arrepender para retornar ao estado anterior. Deus é acessível a todos os homens não porque todos os homens sejam dotados de razão, mas porque Deus tem prazer em descer ao nível do homem e a ele Se revelar.

Imediatamente após demonstrar que o argumento de Zofar sucumbiu pela própria concepção deísta, Jó afirmou, com convicção, que Deus não é um ser distante e que, após criar o mundo, abandonou-o. Ele disse:"… eu, que invoco a Deus, e Ele me responde…" (Jó 12:4). Jó afirmou que Deus está, sim, interessado em ter uma convivência com o homem e que ele, Jó, desfrutava desta convivência, tinha comunhão bem de perto com o Senhor, tanto que ele o invocava e era correspondido por Deus. A existência de um diálogo entre Deus e o homem faz sucumbir o argumento "deísta" de Zofar, e é por isso que os deístas acabam por renegar as Escrituras, porque a Bíblia é, ela própria, um diálogo entre Deus e os homens.

Jó chamou a própria natureza para ser testemunha de que Deus é o Criador e o sustentador de todas as coisas, e não leis naturais que estariam substituindo Deus (Jó 12:7-10). Muito pelo contrário, os "superiores e iluminados" amigos de Jó poderiam, muito bem, ser substituídos pela criação irracional do Senhor, que são testemunhas vivas e muito mais sábias até da contínua presença do Senhor junto à Sua criação.

Contrariando a visão de Zofar, Jó afirmou que Deus intervém continuamente na ordem das coisas que criou. Diz que a vida humana está em Suas mãos (Jó 12:10), que Ele é quem determina as ascensões e quedas (Jó 12:14), bem como está presente em todas as manifestações naturais (Jó 12:15), está presente em todas as decisões humanas, fazendo coisas que o homem não pode compreender (Jó 12:22-25). O patriarca tinha a vivência de um Deus participante, que não abandonara a Sua criação, mas, bem ao contrário, está presente em todo o seu transcurso; é um Deus distinto da Sua criação, mas um Deus presente, bem diverso do concebido por Zofar.

Jó acreditava tanto na participação de Deus no transcorrer da criação que, uma vez mais deixando de lado as teorias profundas e descabidas de Zofar, dirigiu-se diretamente a Deus para apresentar o seu pedido e a sua queixa, demonstrando, assim, claramente, que Deus está disposto a nos ouvir e a nos acompanhar em todos os momentos de nossa vida (Jó 13:3) – “Mas eu falarei ao Todo-Poderoso; e quero defender-me perante Deus”. Afirmou o patriarca que seus amigos não estavam com a correta concepção de Deus e que suas palavras eram mentirosas a este respeito, nada produzindo de remédio para o mal que estava sofrendo (Jó 13:4,7-13).

Como tem sido o nosso discurso a respeito de Deus para os nossos semelhantes? Temos sido médicos que não valem nada, como os amigos de Jó? Qual tem sido o resultado de nossos discursos, de nossas pregações, de nossos testemunhos? Têm eles gerado saúde espiritual para o povo? Será que temos cumprido o nosso mister de, como corpo de Cristo aqui na Terra, sermos os médicos para os doentes (cf.Mt.9:12,13)? Ou temos sido tolos se passando por sábios?

II. A CONVERSÃO COMO RESPOSTA À AFLIÇÃO

1. Purificação moral

Zofar concluiu seu primeiro discurso solicitando a Jó uma purificação moral, ou seja, arrependimento de seus pecados e mudança de direção em sua vida, para que ele pudesse conquistar o seu status original. Para Zofar, a melhor coisa que Jó poderia fazer era lançar “para longe” seus pecados, só então Deus lhe concederia segurança, descanso e consolo; caso contrário, não escaparia da destruição (cf. Jó 11:13-20):

13.Se tu preparaste o teu coração, estende as tuas mãos para ele;

14.se há iniquidade na tua mão, lança-a para longe de ti e não deixes habitar a injustiça nas tuas tendas,

15.porque, então, o teu rosto levantarás sem mácula; e estarás firme e não temerás.

16.Porque te esquecerás dos trabalhos e te lembrarás deles como das águas que já passaram.
17.E a tua vida mais clara se levantará do que o meio-dia; ainda que haja trevas, será como a manhã.

18.E terás confiança, porque haverá esperança; olharás em volta e repousarás seguro.

19.E deitar-te-ás, e ninguém te espantará; muitos acariciarão o teu rosto.

20.Mas os olhos dos ímpios desfalecerão, e perecerá o seu refúgio; e a sua esperança será o expirar da alma.

Como se observa, Zofar foi muito insensível, a ponto de ser ríspido em seu tratamento com Jó. Para ele, algum pecado cometido por Jó era a raiz da sua terrível condição e que o sofrimento dele resultava desse pecado. Assim sendo, era necessária uma reparação, inclusive uma preparação apropriada do seu coração para colocá-lo num relacionamento correto com Deus. Ele enumera três atitudes para que isso aconteça: conduta correta (Jó 11:13); súplica em oração para remover a iniquidade de sua vida e do seu lar (Jó 11:13,14) e renúncia ao pecado (Jó 11:14). Quando isso fosse feito, Jó estaria apto a levantar o seu rosto sem mácula (Jó 11:15); então, ele seria considerado inocente diante de Deus. Medo e miséria seriam esquecidos (Jó 11:15,16). Sua vida seria mais alegre e radiante do que antes. Todas as causas do medo seriam removidas, e em seu lugar haveria segurança e esperança em sua vida, e muitos procurariam o seu favor (Jó 11:17-19).

Todavia, como bem diz o pr. José Gonçalves, “o que está em vista nesta exortação de Zofar é um moralismo salvífico em vez da graça divina; o caráter transformador é mais de natureza externa do que interna; nesse aspecto, o arrependimento não passava de um mero ritual. Na teologia de Zofar, a simples prática desses ritos trazia consigo o poder de conferir o favor divino. Na verdade, isso era o que se conhece hoje como legalismo religioso”.

2. É possível negociar com Deus?

Estudiosos destacam que Zofar tentou induzir Jó a negociar com Deus a fim de se ver livre de suas dificuldades. Era isso que também Satanás desejava que Jó fizesse desde o início (Jó 1:9). Como já vimos, Satanás quando esteve presente juntamente com os filhos de Deus (os anjos), ele se levantou contra o caráter de Deus, acusou-o e questionou suas motivações. Ele insinuou que Jó só servia a Deus por interesse; afirmou que a devoção de Jó não passava de uma barganha com Deus. Satanás acusou Jó de ser um utilitarista que se aproximava de Deus não por quem é Deus, mas por aquilo que Deus dava. Na verdade, Satanás estava defendendo a tese de que todo mundo serve a Deus por algum interesse egoísta. Se Jó tivesse seguido o conselho de Zofar, teria feito exatamente o que Satanás queria. Orientar seus seguidores a barganharem com Deus é um dos mais sérios erros dos defensores da “teologia da barganha”.

Ninguém deve, jamais, pensar que é merecedor de qualquer coisa oriunda de Deus. Isso deve se aplicar a todos os aspectos da vida do cristão, desde o ar que respiramos, passando pela salvação provida na cruz, ou qualquer outro benefício que venhamos a receber dEle (Tg.4:13-15). Certo teólogo afirmou que Deus “pode fazer tudo o que quer, mas não quer fazer tudo o que pode”. Isto significa que o poder de Deus está sob o controle de sua sábia vontade.

3. A angústia de Jó

Jó, cada vez mais oprimido, ficou muito angustiado, a ponto de querer desistir da vida. O apóstolo Paulo, em certa ocasião, fortemente angustiado, se sentiu assim (cf. 2Co.1:8). O silêncio de Deus contribuiu sobremaneira para o sofrimento emocional e psicológico de Jó; ele simplesmente ficou desesperançado da vida, não tinha mais esperança de se recuperar. Conforme ele afirmou, até mesmo uma árvore quando tem seu tronco cortado volta a ter brotos novamente, mas isso não acontecia com o ser humano. Disse Jó (Jó 14:7-14):

7.Porque há esperança para a árvore, que, se for cortada, ainda se renovará, e não cessarão os seus renovos.

8.Se envelhecer na terra a sua raiz, e morrer o seu tronco no pó,

9.ao cheiro das águas, brotará e dará ramos como a planta.

10.Mas, morto o homem, é consumido; sim, rendendo o homem o espírito, então, onde está?

11.Como as águas se retiram do mar, e o rio se esgota e fica seco,

12.assim o homem se deita e não se levanta; até que não haja mais céus, não acordará, nem se erguerá de seu sono.

13.Tomara que me escondesses na sepultura, e me ocultasses até que a tua ira se desviasse, e me pusesses um limite, e te lembrasses de mim!

14.Morrendo o homem, porventura, tornará a viver? Todos os dias de meu combate esperaria, até que viesse a minha mudança.

15.Chamar-me-ias, e eu te responderia; afeiçoa-te à obra de tuas mãos.

Apesar da sua intensa angústia, Jó não se rendeu à falaciosa teologia de seus amigos. Jamais assumiu algo que não havia feito. Ele era convicto de sua inocência e, por isso, não se sujeitaria ao capricho de Zofar; não iria estragar seu caráter ilibado por migalhas deste mundo.

Jó era cônscio de que Deus é superior aos homens, cuja existência é um nada ante a grandeza do universo (Jó 14:1,2,5-12), inclusive revelou que ao homem é dada apenas a oportunidade de uma só vida; isto vai de encontro às mentiras ensinadas há séculos por hinduístas, budistas e kardecistas, ao tratarem de reencarnações (Jó 14:14).

Jó cria que, depois de morto, estando no Seol (Jó 14:13), Deus o traria à vida de novo (Jó 14:15); noutras palavras, Jó expressou sua esperança numa ressurreição pessoal. Se Jó ousava ter esperança de uma vida além-túmulo, ele suportaria sua condição presente e esperaria pelo chamado de Deus (Jó 14:15). Mas Jó ainda não foi capaz de elevar-se acima do seu dilema imediato e fortalecer a sua confiança no fato de que Deus se importava com ele. Portanto, ele se entregou mais uma vez ao desespero que insistia em tomar conta dele em decorrência da tragédia da sua vida.

Deus quer que todos os crentes que estão sob sofrimento e opressão neste mundo saibam que está chegando o dia da ressurreição e da vitória, quando, então, estarão com Deus para sempre (ver Ap.21:1,4). Naquela ocasião, verificarão diretamente que “as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Rm.8:18).

III. DEUS JULGA E CASTIGA OS PECADORES

Neste tópico, trataremos do segundo e último discurso de Zofar (Jó 20:1-29), e da resposta de Jó (Jó cap.21).

1. O castigo dos maus

Em seu segundo discurso, Zofar procurou caracterizar como irracional os argumentos de Jó, afirmando que eles mostravam falta de entendimento em Jó e que geravam vergonha nos seus ouvintes (Jó 20:3).

“Eu ouvi a repreensão, que me envergonha, mas o espírito do meu entendimento responderá por mim”.

Em sua fala, Jó revelou toda a sua convicção de que Deus não abandonou Sua criação, pois revelou ter esperança em Deus, ainda que Ele estivesse contra ele, fazendo-o sofrer (Jó 13:15). Ademais, mostrou ter consciência de que somente os justos podem estar em comunhão com o Senhor (Jó 13:16). Na sua crença de que Deus atua no universo, Jó chegou a pedir ao Senhor que retirasse a Sua mão e que não o espantasse (Jó 13:20,21). Ele creu que podia haver diálogo entre Deus e o homem (Jó 13:22,23) e lançou sua queixa diante de Deus (Jó 13:24-28, 14:15-22). 

Mas, Zofar não aceitou esse entendimento de Jó, e afirmou que Deus criou o ser humano e o abandou na terra - "…o homem foi posto sobre a terra…" (Jó 11:4). Esta expressão de Zofar denota que Deus age com certo desprezo em relação ao ser humano; revela um distanciamento, uma criação seguida de um abandono por parte de Deus. Segundo esta teoria de Zofar, as leis naturais que Deus criou são as que governam o Universo, pois Deus, após a criação, abandonou o Universo à sua própria sorte. Este é o pensamento "deísta", totalmente contrário às evidências das Escrituras Sagradas, que, aliás, não raro, são atacadas e menosprezadas pelos seguidores do "deísmo". 

Em seguida, Zofar voltou a insistir que os maus têm um júbilo muito breve, que praticamente todas as desgraças possíveis atingirão o perverso, incluindo fome, angústia, miséria, ataque inimigo, calamidade, fogo e perda da tranquilidade. Segundo ele, os céus e a terra conspiram contra o ímpio, e que seus bens desaparecerão, serão irremediavelmente abatidos por força das próprias leis estabelecidas por Deus. Esta é a herança decretada por Deus sobre o homem perverso, na visão de Zofar (Jó 20:20-29).

“Os céus manifestarão a sua iniquidade; e a terra se levantará contra ele. As rendas de sua casa serão transportadas; no dia da sua ira, todas se derramarão. Esta, da parte de Deus, é a porção do homem ímpio; esta é a herança que Deus lhe Reserva” (Jó 20:27-29).

Segundo Zofar, tudo funciona automaticamente, como se o Universo fosse um relógio, não havendo qualquer necessidade para uma intervenção divina. Por isso, Zofar, que afirmou ter "o espírito do entendimento" (Jó 20:3), que já tinha descoberto quais eram as regras disciplinadoras do Universo, pôde dizer o que aconteceria a Jó, caso ele não se arrependesse, pois "…é esta a herança que Deus lhe reserva" (Jó 11:2b). Mas, Jó refutou com veemência esta teoria sem fundamento de Zofar (cf. Jó 21:1-34).

2. Jó diante de um paradoxo

Zofar afirmou anteriormente que todos os maus são punidos, mas Jó argumentou que a experiência mostra que muitas pessoas más são bem sucedidas. O entendimento de Jó é paradoxal: a pessoa má sendo beneficiada com o bem. Assim, Jó rebateu o argumento de Zofar observando, corretamente, que os perversos geralmente prosperam em todas as áreas e morrem sem sofrimento, mesmo após expulsarem Deus de suas vidas. Quantas vezes, perguntou Jó, os perversos recebem a merecida recompensa por seus pecados ainda durante sua existência? Uma pessoa morre em paz, prosperidade em pleno vigor, enquanto outro morre em amargura e pobreza (Jó 21:23-25). Todos são iguais na hora da morte.

Se Zofar continuasse a insistir em que os perversos sempre são castigados nesta vida, então Jó apelaria aos que “viajam” para que testifiquem que os ímpios, conquanto sofram punição no além, geralmente vivem tranquilos e felizes nesta vida. Ninguém os condena ou os castiga, e morrem como todos os outros (Jó 21:29-33). Então Jó exclamou, quase como gritando: “Como, pois, me consolais em vão? Das vossas respostas só resta falsidade” (Jó 21:34).

3. A verdade vem à tona

Jó atacou o dogma da retribuição, defendido com vigor por Zofar em seu segundo discurso, apresentando argumentos com evidência prática, a saber, a existência de homens ímpios prósperos, apesar de sua impiedade e de sua deliberada recusa de servir a Deus, e cujos funerais, inclusive, são repletos de pompa (Jó 21:7-15), embora reconheça que, apesar desta felicidade aparente, não conseguirão escapar do juízo divino, que não é, necessariamente, o tipo de juízo presumido por Zofar (Jó 21:16-26). O próprio Jesus disse que Deus Pai também “faz que o sol se levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos” (Mt.5:45).

Jó denunciou que seus amigos estavam tão somente aumentando seu sofrimento, que não trazem palavras de conforto ou de consolo, acabando por entender que seus discursos, por não estarem estribados em fatos verídicos, eram apenas falsidade (Jó 21:27-34).

CONCLUSÃO

Nesta Aula tratamos dos discursos de Zofar, que, por desconhecer as razões do sofrimento de seu amigo Jó, acusou-o de forma impiedosa, implicando que Jó havia pecado contra Deus, e que por isso estava sofrendo. Mas Jó reprimiu com veemência as acusações de Zofar, e sustentou a sua defesa até o fim de que era inocente e que não tinha cometido nenhum pecado que justificasse o seu sofrimento. Apesar das pressões psicológicas, que lhe trouxeram angústia e desesperança de retorno ao seu estado original, Jó não blasfemou contra o seu Deus. Como fez em suas defesas perante os outros amigos, Elifaz e Bildade, Jó afirmou que Deus é superior ao homem e, portanto, o homem não pode querer esquadrinhar os Seus pensamentos ou entender os Seus propósitos, a não ser pela própria revelação divina. Conquanto a natureza possa nos fazer inferir que haja um Deus, não permite que nós, através dela ou da razão, possamos descobrir os mistérios e as profundidades do pensamento divino, pois Deus é Deus, e nós meros seres humanos.