SISTEMA DE RÁDIO

  Sempre insista, nunca desista. A vitória é nosso em nome de Jesus!  

A TEOLOGIA DE ELIFAZ: SÓ OS PECADORES SOFREM

 

Texto Base: Jó 4:1-8; Jó 15:1-4; 22:1-5


“Lembra-te, agora: qual é o inocente que jamais pereceu? E onde foram os sinceros destruídos?  Segundo eu tenho visto, os que lavram iniquidade e semeiam o mal segam isso mesmo” (Jó 4:7,8).

Jó 4:

1.Então, respondeu Elifaz, o temanita, e disse:

2.Se intentarmos falar-te, enfadar-te-ás? Mas quem poderá conter as palavras?

3.Eis que ensinaste a muitos e esforçaste as mãos fracas.

4.As tuas palavras levantaram os que tropeçavam, e os joelhos desfalecentes fortificaste.

5.Mas agora a ti te vem, e te enfadas; e, tocando-te a ti, te perturbas.

6.Porventura, não era o teu temor de Deus a tua confiança, e a tua esperança, a sinceridade dos teus caminhos?

7.Lembra-te, agora: qual é o inocente que jamais pereceu? E onde foram os sinceros destruídos?

8.Segundo eu tenho visto, os que lavram iniquidade e semeiam o mal segam isso mesmo.

Jó 15:

1.Então, respondeu Elifaz, o temanita, e disse:

2.Porventura, dará o sábio, em resposta, ciência de vento? E encherá o seu ventre de vento oriental,

3.arguindo com palavras que de nada servem e com razões que de nada aproveitam?

4.E tu tens feito vão o temor e diminuis os rogos diante de Deus.

Jó 22:

1.Então, respondeu Elifaz, o temanita, e disse:

2.Porventura, o homem será de algum proveito a Deus? Antes, a si mesmo o prudente será proveitoso.

3.Ou tem o Todo-Poderoso prazer em que tu sejas justo, ou lucro algum em que tu faças perfeitos os teus caminhos?

4.Ou te repreende pelo temor que tem de ti, ou entra contigo em juízo?

5.Porventura, não é grande a tua malícia; e sem termo, as tuas iniquidades?

INTRODUÇÃO

Nesta Aula trataremos da teologia de Elifaz: aqueles que sofrem estão em pecado com Deus. Para Elifaz, o sofrimento de Jó era um atestado de que ele havia pecado e que, por isso, Deus tomara tudo dele, inclusive sua saúde física. Essa teologia era semelhante à dos atuais seguidores da teologia da prosperidade. Para estes, o crente para ser “abençoado” é preciso dar tudo que tem para Deus: a vida, os bens, o tempo, todo seu dinheiro, enfim, até aquilo que conseguimos com bastante esforço; caso contrário, não lhe estamos sendo fieis, e assim não receberemos também nada d'Ele. Esta visão distorcida pregada por muitos não chega a ser tão diferente daquilo que Elifaz entendia acerca de Deus. Muitos servem a Deus motivados por esta teologia falaciosa, que é terrivelmente prejudicial à vida de muitos cristãos, que, ao abraçarem-na, estarão desprezando a graça de Deus, ou seja, os favores advindos do Senhor a toda raça humana que, independentemente de merecimento, nos faz desfrutarmos de todas as bênçãos oferecidas pelo Senhor às nossas vidas. 

Elifaz era um dos três amigos de Jó, os quais vieram de longe para condoer-se dele. Pareciam amigos de fato; combinaram de ir ao encontro dele para o consolar em sua desventura. Jó estava tão desfigurado pelo sofrimento que eles nem sequer o reconheceram. Ao ver sua desolação, assentaram-se com ele na cinza durante sete dias sem abrir a boca. O relato bíblico é comovente:

“E três amigos de Jó, ouvindo faiar da desgraça que lhe havia acontecido, vieram, cada um do seu lugar, pois haviam combinado de vir prestar-lhe solidariedade e consolá-lo: Elifaz, o temanita; Bildade, o suíta; e Zafar, o naamatita. Eles o viram de longe, mas não o reconheceram. Então choraram bem alto, e cada um rasgou o seu manto e jogou terra para o ar sobre a cabeça. E ficaram sentados com ele no chão sete dias e sete noites; e nenhum deles lhe dizia nada, pois viram que sua dor era muito grande (Jó 2:11-13).

É interessante observar que havia um silêncio, e os amigos de Jó não tinham coragem alguma para falar (Jó 2:11-13); só vieram a fazer uso da palavra depois que Jó abriu a sua boca. Em momentos de crise, muitas vezes, é tempo de ficarmos calados, pois Deus conversa conosco no silêncio, como, por exemplo, ocorreu com Moisés (cf. Ex.3:1-5). Ao falarmos, acabamos abrindo a oportunidade para que outros falem a respeito do plano de Deus para nossas vidas, sendo que isto é assunto que deve envolver somente a nós e a Deus e não a terceiros, os quais acabarão por falar o que não é correto nem agradável a Deus (Jó 42:8).

Todavia, quando abriram a boca, acabaram tornando-se consoladores molestos. Os amigos de Jó assacaram contra ele pesados libelos acusatórios. Atingiram-no com armas de grosso calibre.
Teceram-lhe as mais duras críticas e endereçaram a ele as mais levianas e injustas acusações.
Chamaram Jó de ladrão; acusaram-no de oprimir os pobres e roubar o direito das viúvas; chamaram-no de louco; disseram que ele havia se enriquecido ilicitamente; atentaram contra sua honra e disseram que ele era um adúltero; jogaram vinagre em sua ferida e culparam-no por Deus ter matado seus filhos.

Ser vítima de acusações mentirosas já é um fardo muito pesado, mas ser acusado por aqueles que se dizem amigos é ainda mais doloroso. Ser acusado por aqueles que deveriam estar do nosso lado agrava ainda mais a nossa dor. Ser acusado injustamente quando estamos no vale da prova é uma dor indescritível. Jó estava sendo oprimido por todos os lados; estava no moinho de Deus, na fornalha da prova.

I. OS PECADORES NO CONTEXTO DA JUSTIÇA RETRIBUTIVA

1. A lei da semeadura e da colheita

A Bíblia mostra-nos, com absoluta clareza, como se relacionam o perdão divino e a lei da semeadura. Cito um exemplo: Davi e o seu pecado. Davi teve seu pecado perdoado, mas as consequências de seu pecado foram por ele sofridas, a um altíssimo preço, numa ilustração paradigmática de que como operam a justiça e a misericórdia divinas.

Embora a justiça retributiva seja uma lei que está presente nas Escrituras Sagradas, nem sempre dá conta de toda a realidade. O Livro de Jó mostrará exatamente isso. O sofrimento que o patriarca passava nada tinha a ver com a consequência de algum pecado cometido no passado. Muitos têm uma percepção teológica parecida com a de Elifaz, em que a lei de causa e efeito era um princípio da ortodoxia teológica que não podia ser contraditado. No campo espiritual, compete única e exclusivamente a Deus atribuir a justiça retributiva, e duvido muito que na dispensação da graça isto aconteça aqui neste mundo, pois um dos atributos mais ativos de Deus é longanimidade.

2. O homem colhe o que plantou

Para Elifaz, as consequências de nossas ações são refletidas de acordo com o padrão moral universal estabelecido - se plantar mal vai colher mal. Os escritos sagrados posteriores, também, se coadunam com este princípio teológico de Elifaz, como se observa em várias passagens veterotestamentárias, como, por exemplo, a do Salmo 1:6: “Porque o Senhor conhece o caminho dos justos; mas o caminho dos ímpios perecerá”. Aqui, “o salmista confirma que Deus é bom e justo e, por isso, recompensa os bons e pune os maus”.

Podemos também observar este princípio no Novo Testamento. Veja, por exemplo, o que afirma o apostolo Pedro: “Porque os olhos do Senhor estão sobre os justos, e os seus ouvidos, atentos às suas orações; mas o rosto do Senhor é contra os que fazem males” (1Pd.3:12). Pedro afirma que aqueles que se entregam à pratica da maldade terão de enfrentar a ira do Todo-poderoso. Veja que neste texto há um contraste claro: Deus vê as obras do povo justo e vê aqueles que praticam o mal. Nada escapa de sua visão, e que ninguém pense que Deus não se importa. Aqueles que se deleitam em fazer o mal não têm em Deus um amigo, mas um adversário. Uma boa ilustração para este versículo se encontra em Atos 12. Pedro estava preso e Herodes se assentava garbosamente no trono. A Igreja orava por Pedro e Herodes aguardava o fim da festa da Páscoa par matar Pedro. O anjo de Deus foi enviado para libertar Pedro e ferir mortalmente Herodes. Os olhos de Deus repousavam sobre Pedro e seus ouvidos estavam abertos às súplicas da Igreja, mas o rosto de Deus estava contra Herodes.

Observe, porém, que a justiça retributiva pertence unicamente a Deus, e que ninguém poderá dizer quem é culpado ou não. O erro grosseiro de Elifaz foi acusar o seu amigo Jó de forma precipitada. Ele olhou para sua dor de forma especulativa. Formulou teorias e fez declarações deletérias, culpando Jó por todo o desastre que se abatera sobre a sua vida. Ele atacou a integridade moral de Jó; lançou sobre ele as mais pesadas acusações. Segundo Elifaz, se Jó estava sofrendo era porque havia pecado; cabia a ele, então, assumir a responsabilidade moral de seu pecado, não havia outra opção. Esta foi uma acusação típica de um religioso pragmático, que tomou as rédeas das decisões e que somente suas teses eram as mais corretas, e que não aceitava nenhuma contradição. Hoje, em pleno período da graça, ainda existem pessoas qual Elifaz, que julgam de forma precipitada as ações das pessoas, sem levar em conta que somente Deus é quem pode dar um veredito autêntico e justo. Assim sendo, muitos cometem injustiças e esquecem de que Deus é quem pode ver todo o lado da questão. Disse Jesus: “Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça” (João 7:24).

3. A queixa de Jó

Elifaz vociferou a teologia retributiva - da semeadura e da colheita -, porém, Jó contestou essa teologia em relação a si mesmo. Jó tinha razão. Este ensino é bíblico, mas Elifaz não teve a prudência de consultar ao Justo Juiz a verdadeira posição de Jó. O decorrer dos fatos mostrou que a teologia de Elifaz não se aplicava ao seu amigo atribulado. Jó, então, sabendo que estava injustamente sendo julgado pelo seu fiel amigo, se queixou diante de Deus, desejando abrir uma porta de diálogo com o Altíssimo (Jó 7:11-21). Ele não queria explicações baseadas em teorias teológicas, mas uma conversa sincera através de um relacionamento direto com o Criador.

Jó reagiu e levantou aos céus dezesseis vezes a mesma pergunta: Por quê? Por quê? Por quê? Jó não apenas fez perguntas, mas também fez queixas. Ele levantou aos céus 34 vezes as suas queixas. Pensou que a mão de Deus estava esmagando sua vida. É claro que Jó não conhecia todas as implicações de sua saga, não sabia todos os detalhes daquela batalha espiritual. Contudo, Deus ficou em silêncio e não respondeu nada a Jó. Nem sempre Deus explica as razões pelas quais sofremos. Nem sempre temos uma clara percepção dos propósitos divinos. Nem sempre a voz de Deus vem ao nosso encontro para nos consolar. Nem sempre temos uma luz no fim do túnel para nos dar uma direção. Há dias em que Deus se cala. Há momentos em que os céus parecem estar fechados e as nuvens parecem ser de bronze. Portanto, além de sua dor atroz e da acusação de Elifaz, Jó precisou lidar ainda com o silêncio de Deus.

Elifaz era um homem versado nos assuntos de Deus (a "teologia"), mas era, sobretudo, um pensador, um teórico, que bem conhecia os princípios e valores nos quais acreditava, mas que não podia apresentar senão argumentos, argumentos que procuravam explicar os fatos que haviam se desenvolvido com Jó. Contra esta teoria, o patriarca apresentaria uma prática, ou seja, uma vida de experiência e comunhão com Deus.

Elifaz era teórico, era um intelectual versado em Deus; porém, é muito mais importante sermos um filho de Deus, alguém que está vivendo em Cristo, e não somente que tenha conhecimento intelectual de Deus. Elifaz pode ser comparado a Nicodemos que, apesar de ser "o príncipe dos judeus", tinha necessidade de "nascer de novo", como nos indicou, claramente, Jesus (João cap.3).

II. OS PECADORES NO CONTEXTO DA TRADIÇÃO RELIGIOSA

Na segunda rodada de discursos, os “consoladores” de Jó abandonaram os apelos para que ele se arrependesse e se tornaram cada vez mais violentos e condenadores. Jó, em contrapartida, ficou cada vez mais acirrado.

1. Ortodoxia engessada

Elifaz, em seu segundo discurso (Jó 15:1-35), voltou a repreender Jó com maior intensidade. Comparando com o primeiro discurso (Jó cap.4-5), Elifaz foi mais rude, mais intenso e mais ameaçador, porém, nada disse de novo. Ele começou dizendo que as palavras de Jó eram vazias e inúteis, então reafirmou sua opinião de que Jó deveria ser um grande pecador. De acordo com Elifaz, a experiência e a sabedoria de seus ancestrais eram mais valiosas que os pensamentos individuais de Jó. Elifaz pensava que suas palavras eram tão verídicas quanto as de Deus. Na verdade, como no primeiro discurso, Elifaz insiste na ideia de que Deus abençoa os bons e lança calamidades sobre os pecadores. Diz que Deus é misericordioso e se os pecadores se arrependerem, certamente serão abençoados e o estado de calamidade que enfrentam será mudado. Portanto, segundo Elifaz, Jó pecou e, por isso, estava passando pelo que estava passando. Se se arrependesse de seus pecados, certamente voltaria a desfrutar das bênçãos de Deus.

Tal qual o primeiro discurso, a teologia de Elifaz ensina que se o homem bem fizer, terá o agrado de Deus e será abençoado; se não fizer bem, sofrerá a ira divina. Deus é bom e está pronto a perdoar quem se arrepender. Apesar de toda esta lógica perfeita, quando esta visão teórica é levada para a prática notamos que ela não funciona: há justos que sofrem e pecadores que têm êxito e sucesso. Veja o dilema de Asafe (Salmos 73). Deus abençoa tanto a justos como a injustos, como, por exemplo, ao fazer cair a chuva tanto para uns quanto para outros (Mt.5:45). A teologia de Elifaz, portanto, é cabalmente desmentida pelos fatos e, como diz o conhecido adágio, "contra fatos, não há argumentos".

Em uma rápida sequência de questionamentos, Elifaz ridicularizou as razões de Jó, chamando-as de “ciência de vento” (Jó 15:2):

“Porventura, dará o sábio, em resposta, ciência de vento? E encherá o seu ventre de vento oriental, arguindo com palavras que de nada servem e com razões que de nada aproveitam?” (Jó 15:2,3).

Embora as palavras audaciosas de Jó direcionadas a Deus fornecessem oportunidade para que fosse acusado de tornar “vão o temor de Deus” (Jó 15:4), era injusto acusá-lo de falar “a língua dos astutos” (Jó 15:5). Quando muito, Jó poderia ser culpado de se expor em excesso. Diante dessa ousadia de Jó, Elifaz o atacou de uma forma contundente dizendo que suas palavras não revelavam sabedoria, mas eram palavras ao vento. De qualquer forma, sem dúvida Jó não era hipócrita. Era inútil, tanto para ele quanto para qualquer outra pessoa, declarar-se justo.

2. Uma ameaça à tradição religiosa

A partir do versículo 7 do capítulo 15, Elifaz procurou respaldar seu ponto-de-vista sobre o sofrimento de Jó com base na sua tradição religiosa, com base em seu conhecimento teológico. Argumentou, por primeiro, com a idade, que lhe daria maior experiência de vida (Jó 15:7-10) e, posteriormente, nos ensinamentos que eram reproduzidos geração a geração a respeito do assunto (Jó 15:17-19).

Verdade é que devemos respeitar os mais idosos e com eles aprender, devendo ter respeito aos marcos que nos foram estabelecidos, o que constituem o que se denomina "tradição" (Dt.19:14; Pv.22:28). O próprio Jó reconheceu que o desrespeito da tradição era algo próprio do ímpio (Jó 24:2). No entanto, devemos sempre observar a origem dessa tradição, pois, acima dela, está a Palavra do Senhor, que não pode ser invalidada por estas coisas (Mt.15:1-6), já que ela é atemporal e permanece para sempre (1Pd.1:25). Assim, nunca devemos procurar estribar nosso julgamento única e exclusivamente com base na tradição, pois, se assim o fizermos, poderemos correr o risco de querer invalidar a Palavra do Senhor, como o fez Elifaz.

Após buscar este respaldo, Elifaz repete seu argumento já apresentado no primeiro discurso. Ele disse que o homem não é puro e que, portanto, ao pecar, merece sofrer o mal que lhe sobrevém da parte de Deus (Jó 15:14-16,20-30). Segundo ele, se Jó estava sofrendo era porque ele tinha pecado terrivelmente contra Deus; logo, ele devia confiar na bondade de Deus do que manter-se vaidoso, arrogando uma sinceridade que não tinha; só assim ele alcançaria o perdão divino e seria restaurado (Jó 15:31-35).

3. A resposta de Jó

“Então, respondeu Jó e disse: Tenho ouvido muitas coisas como estas; todos vós sois consoladores molestos. Porventura, não terão fim estas palavras de vento? Ou que te irrita, para assim responderes? Falaria eu também como vós falais, se a vossa alma estivesse em lugar da minha alma? Ou amontoaria palavras contra vós e menearia contra vós a minha cabeça? Antes, vos fortaleceria com a minha boca, e a consolação dos meus lábios abrandaria a vossa dor” (Jó 16:1-5).

Jó estava quieto e poderia, no silêncio, escutar a voz de Deus, mas, ante tamanha perturbação, que, dizem alguns estudiosos, não se circunscrevia ao padecimento físico, mas também chegava a uma verdadeira tortura psicológica, acabou por queixar-se em alto e bom som, abrindo a oportunidade para que seu amigo Elifaz lhe acusasse de ter pecado e o incitasse a confessar pecados inexistentes. Entretanto, o patriarca não deixou de ouvir os discursos de seu amigo, ainda que fossem duros, por mais de uma vez, demonstrando, assim, que era uma pessoa sábia (Ec.5:1).

Na resposta ao segundo discurso de Elifaz, Jó continuou sua oposição à teologia simplista e acusadora de seu amigo. Disse que vazias não eram os seus argumentos, mas os argumentos de Elifaz (Jó 16:1-3), apontando um fator que é muito relevante no discurso teológico: a falta de amor e de compaixão (Jó 16:4). Jó era um homem amoroso, compassivo e misericordioso, enquanto que seu amigo Elifaz, embora não cessasse de relembrar a misericórdia e bondade de Deus, assim como seu discurso, apresentava uma misericórdia e uma bondade teóricas, que não se efetivavam na prática.

Embora Deus fosse bom e misericordioso, Elifaz não era. Embora se arvorasse no mensageiro da realidade do homem em relação a Deus, o teólogo Elifaz apenas acusava e exigia o arrependimento do "pecador" Jó; mas não demonstrava, em momento algum, com suas palavras ou gestos, esse amor e misericórdia demonstrados. Como diria o apóstolo João, milênios de anos depois, "se alguém diz: eu amo a Deus, e aborrece a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?" (1João 4:20).

Muitos "elifazes", na atualidade, têm contribuído para o descrédito do Evangelho, pois, são hábeis pregadores e apontadores dos pecados dos semelhantes e da necessidade que têm de se arrependerem, mas, tal como Elifaz, são insensíveis às necessidades e sofrimentos por que estão passando os ouvintes de seus discursos. Se Jó, com toda a sua maturidade espiritual, sentia o descaso de Elifaz para com a sua dor, o que o pecador não sentirá ante tais "pregadores"? Jesus jamais agiu desta maneira, mas sempre buscava suprir as necessidades e sofrimentos daqueles que O ouviam. Por isso, com razão, Jó chamou Elifaz de pessoa sem sabedoria (Jó 17:10), porque não se preocuparam em dar esperança ao patriarca, desprezando, assim, a sua própria alma. A teologia de Elifaz era insensível, e a insensibilidade é uma prova de que suas palavras eram, realmente, vazias, despidas de qualquer sentido para alguém que era vivo espiritualmente como Jó.

Jó rejeitou a análise de Elifaz e revidou, chamando seus críticos de “consoladores molestos”, que significa literalmente: “confortadores atormentadores”. Elifaz acrescentou mais aflições sobre Jó, além daqueles que ele já possuía, ao invés de ajudá-lo por meio de compaixão e compreensão. Suas palavras de “vento” (Jó 16:3) não tinham fim. Ele persistia em machucá-lo mais.

Jó tinha dificuldade em entender o que levou Elifaz a continuar falando, visto que não tinha nada de valor a acrescentar (cf. Jó 13:5). Jó afirmou que, caso fosse ele o consolador, seria compassivo e procuraria mitigar a dor de quem estava sofrendo, e não lhe aumentar a tortura psicológica, como fazia Elifaz com o seu discurso (Jó 16:5,6). As palavras de Jó revelam várias formas de tornar-se um bom consolador para os que sofrem:

  • Não fale apenas por falar.
  • Não faça sermões dando respostas superficiais.
  • Não acuse ou critique.
  • Coloque-se no lugar da outra pessoa.
  • Ofereça ajuda e encorajamento.

Tente estas sugestões de Jó, sabendo que elas são dadas por uma pessoa que precisou de grande conforto. Os melhores consoladores são os que experimentam o sofrimento pessoal.

III. OS PECADORES DIANTE DE UM DEUS INFINITO

1. Deus não se importa com quimeras humanas

No seu terceiro e último discurso (Jó 22), Elifaz apela para a transcendência divina ao atacar Jó. Só a título de nota, “transcendência” significa dizer que Deus é diferente e independente da sua criação (ver Ex.24:9-18; Is.6:1-3; 40:12-26; 55:8,9); seu Ser e sua existência são infinitamente maiores e mais elevados do que a ordem por Ele criada (1Rs.8:27; At.17:24,25). Deus é transcendente e imanente, ou seja, a despeito de habitar nas alturas mais insondáveis, e apesar de infinito e imenso, não permanece alheio às suas criaturas. Assim, ao longo dos séculos, o Eterno vem se comunicando com o homem, direta ou indiretamente. Ele tem prazer de ser assim com o ser humano; tanto é que, após o pecado do homem, Ele proveu o Cordeiro imaculado, Jesus Cristo, para que através de sua morte vicária resgatasse o ser humano ao estado original da criação.

Elifaz, na primeira vez que falou a Jó (caps. 4 e 5), atribuiu-lhe boas obras, e gentilmente sugeriu que Jó pudesse estar necessitando de arrependimento. Embora nada tenha acrescentado de novo neste terceiro discurso, ele foi mais especifico - ele acusou o amigo Jó de graves iniquidades: tomar penhor dos pobres sem justa causa, recusar água ao cansado e pão ao faminto, tomar terra à força e oprimir viúvas e órfãos. De acordo com Elifaz, esses pecados eram as razões do sofrimento de Jó. A verdade, contudo, era justamente o contrário: Jó vivia engajado em obras sociais e sempre ajudou com generosidade (cf. Jó 29).

Na declaração de Elifaz, Jó não deveria imaginar que Deus nas alturas do Céu não enxerga o que se passa aqui na terra. Se continuasse no pecado, Jó sofreria o mesmo destino das pessoas arrastadas por uma torrente na época de Noé, gente que até então o Senhor havia feito prosperar.

Elifaz mostrou o que estava por detrás de seu bonito e eloquente discurso: uma acusação infundada, um dogmatismo cego e que recusava até mesmo a evidência dos fatos. Ele acusou o patriarca de uma série de pecados, sem ter base alguma para isso (Jó 22:6-11). Tornou-se um caluniador, pois fez falsas acusações contra Jó, sem provas. Segundo a visão de Elifaz, Jó estava sofrendo e, por isso, era certo que havia pecado, mesmo às escondidas, pois ninguém pode se esconder de Deus (Jó 22:12-20). Voltou a insistir que Jó se arrependesse, pois somente se unindo a Deus era que poderia ter de volta as bênçãos divinas (Jó 22:21-30). A afirmação básica da argumentação de Elifaz era o da barganha - "une-te, pois, a Ele e tem paz, e assim te sobrevirá o bem"(Jó 22:21). Muitos são os que seguem esta teologia; para esses, lembremos que ela não agradou a Deus (Jó 42:8) e foi inspirada por um "espírito", que, certamente, trata-se do adversário de nossas almas.

As últimas palavras de Elifaz são um convite para Jó se converter (Jó 22:21-30). Note-se, porém, todo o interesse mercantilista por trás do dogma da retribuição: converter-se e servir a Deus a fim de ter tranquilidade e prosperidade. Tal relacionamento transforma a religião em um meio de manipular o próprio Deus. Elifaz emprega frases para persuadir Jó: “Reconcilia-te, pois, como ele e tem paz” (Jó 22:21); “então, o Todo-Poderoso será o teu ouro e a tua prata escolhida” (Jó 22:25); “e a luz brilhará em teus caminhos” (Jó 22:28). São palavras não apenas belas, mas verdadeiras, implorando ao pecador que se arrependa – “se converta ao Todo-Poderoso” e “afaste a injustiça da sua tenda” (Jó 22:23). O problema, porém, não está no apelo, mas na aplicação: Jó não vivia em pecado.

2. A resposta de Jó (Jó 23:1-24:25)

Na resposta ao terceiro e último discurso de Elifaz, Jó, ante as calúnias apresentadas, demonstrou maior ansiedade para se apresentar diante de Deus e de Seu tribunal para provar a sua inocência (Jó 23:1-5).

“Respondeu, porém, Jó e disse: Ainda hoje a minha queixa está em amargura; a violência da minha praga mais se agrava do que o meu gemido. Ah! Se eu soubesse que o poderia achar! Então me chegaria ao seu tribunal. Com boa ordem exporia ante ele a minha causa e a minha boca encheria de argumentos. Saberia as palavras com que ele me responderia e entenderia o que me dissesse” (Jó 23:1-5).

Jó, ao invés de querer provar sua inocência ao caluniador, de mostrar, ponto por ponto, a falsidade das alegações de Elifaz, o patriarca desejou ardentemente encontrar-se com o Senhor; buscou a justiça divina, pois sabia que o Senhor cuidava dele (Jó 23:6) - “Porventura, segundo a grandeza de seu poder contenderia comigo? Não; antes, cuidaria de mim”. O que causava desesperança e dor em Jó não eram as palavras malévolas do teólogo Elifaz, mas o sentimento de abandono por parte de Deus (Jó 23:8,9) - “Eis que, se me adianto, ali não está; se torno para trás, não o percebo. Se opera à mão esquerda, não o vejo; encobre-se à mão direita, e não o diviso”.

Quão diferentes temos sido de Jó! Quando somos caluniados, caluniamos ou procuramos mostrar, ante os homens, as nossas razões e a nossa verdade. Não raro, procuramos humilhar e envergonhar o caluniador. Jó assim não procedeu, mas quis se apresentar como réu ante o tribunal divino, pois tinha convicção de sua inocência. Do mesmo modo, Jesus, quando injuriado, dizem as Escrituras, não injuriava, mas se entregava aos cuidados de Deus Pai (1Pd.2:23,24).

Muitos têm preferido resolver as afrontas, as injúrias e as calúnias ante os tribunais humanos, buscando a "reparação do dano moral". Que Deus nos guarde de ter um comportamento assim, mas que sejamos irrepreensíveis a ponto de, quando injuriados e caluniados, termos a santidade e a dignidade de podermos nos entregar ao Justo e Supremo Juiz, que sabe o nosso caminho (Jó 23:10), para que possamos ser aprovados e saiamos refinados como o ouro (Jó 23:11).

Jó reconheceu, também, a soberania de Deus e o Seu direito de provar até mesmo o justo (Jó 23:11-17) e de permitir que o ímpio tenha aparente êxito nesta vida (Jó 24). Apresentou fatos que não podem ser desmentidos pela teologia teórica de Elifaz. Deus atua de várias maneiras e não podemos querer enquadrá-lo em nossos conceitos e experiência. Deus está muito acima de nossa compreensão e o que dEle sabemos é fruto de Sua revelação a nós. Por isso, tenhamos muito cuidado em julgar o semelhante e nos limitemos a anunciar o plano que Ele nos revelou para a Sua humanidade, pois temos de confiar nEle, e não em nossos conceitos e pensamentos, por mais lógicos que pareçam ser, como os de Elifaz.

CONCLUSÃO

Na teoria teológica de Elifaz só os pecadores inveterados sofrem os infortúnios da vida. Para ele, Jó estava abandonado por Deus e isso era uma prova irrefutável de que havia pecado. Não é pelo fato de servirmos a Deus que estaremos isentos de lutas e provações; elas virão, contudo, devemos estar conscientes de que nunca estaremos sós. Disse Jesus: “... eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt.28:20). Devemos buscar na graça de Deus, forças para suportar as dificuldades, por amor a Cristo. Nunca confiemos em nós mesmos, ou em nossos próprios méritos, mas na graça divina: “... Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne o seu braço forte... Bendito é o varão que confia no Senhor e cuja esperança é o Senhor”(Jr.17:5,7).