SISTEMA DE RÁDIO

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O DRAMA DE JÓ

 

Texto Base: Jó 1:13-22; 2:6-8

“E disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR” (Jó 2:21).

Jó 1:

13.E sucedeu um dia, em que seus filhos e suas filhas comiam e bebiam vinho na casa de seu irmão primogênito,

14.que veio um mensageiro a Jó e lhe disse: Os bois lavravam, e as jumentas pasciam junto a eles;

15.e eis que deram sobre eles os sabeus, e os tomaram, e aos moços feriram ao fio da espada; e eu somente escapei, para te trazer a nova.

16.Estando este ainda falando, veio outro e disse: Fogo de Deus caiu do céu, e queimou as ovelhas e os moços, e os consumiu; e só eu escapei, para te trazer a nova.

17.Estando ainda este falando, veio outro e disse: Ordenando os caldeus três bandos, deram sobre os camelos, e os tomaram, e aos moços feriram ao fio da espada; e só eu escapei, para te trazer a nova.

18.Estando ainda este falando veio outro e disse: Estando teus filhos e tuas filhas comendo e bebendo vinho, em casa de seu irmão primogênito,

19.eis que um grande vento sobreveio dalém do deserto, e deu nos quatro cantos da casa, a qual caiu sobre os jovens, e morreram; e só eu escapei, para te trazer a nova.

20.Então, Jó se levantou, e rasgou o seu manto, e rapou a sua cabeça, e se lançou em terra, e adorou,

21.e disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR.

22.Em tudo isto Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma.

Jó 2:

6.E disse o SENHOR a Satanás: Eis que ele está na tua mão; poupa, porém, a sua vida.

7.Então, saiu Satanás da presença do SENHOR e feriu a Jó de uma chaga maligna, desde a planta do pé até ao alto da cabeça. 8 E Jó, tomando um pedaço de telha para raspar com ele as feridas, assentou-se no meio da cinza.  

8.E Jó, tomando um pedaço de telha para raspar com ele as feridas, assentou-se no meio da cinza.

INTRODUÇÃO

Dando continuidade ao estudo sobre a vida de Jó trataremos nesta Aula da calamidade que se abateu sobre a vida deste icônico patriarca. De uma vida abastada, piedosa e fraternalmente estruturada, Jó mergulhou em um mar de calamidades. Esse homem foi elevado às alturas excelsas e despencou de lá. Sofreu os golpes mais duros. Perdeu seus bens, seus filhos, a saúde, o apoio de sua mulher e de seus amigos. Caiu não apenas ao chão, mas desceu aos vales mais tenebrosos. Foi nocauteado e jogado na lona sem nenhuma força para se levantar. Sua vida tornou-se um verdadeiro drama. Contudo, o drama de Jó nos ensina que, por pior que seja a situação, pôr mais sombria que seja a realidade, Deus é poderoso para reverter o quadro e trazer-nos à tona para respirar. A partir desse drama temos a oportunidade de refletir a respeito do sofrimento e o modelo de comportamento que o cristão deve ter para a própria vida diante das adversidades. Com Deus, nossas noites escuras e frias podem converter-se em manhãs cheias de luz e calor.

I. TRAGÉDIA DE NATUREZA ECONÔMICA

1. Jó, um homem financeiramente realizado

O texto sagrado afirma que Jó era o homem mais rico de sua geração no Oriente, era o maior empresário rural de seu tempo - “possuía sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois e quinhentas jumentas; tinha também muitos servos que trabalhavam para ele, de modo que era o homem mais rico de todos os do Oriente” (Jó 1:3). Muitos igualam Jó a grandes industriais e empresários da atualidade.

A vida de Jó refuta a ideia de que pessoas ricas não podem ser piedosas. A riqueza não é um pecado, nem a pobreza é uma virtude. A riqueza quando honestamente adquirida é uma bênção. É Deus quem fortalece as nossas mãos para adquirirmos riquezas. Riquezas e glórias vêm do próprio Deus.

À sua época, Jó superava todos os seus concorrentes. Ninguém se comparava a ele no que concernia à prosperidade financeira e à piedade pessoal. Jó era um homem realizado em sua vida financeira, em sua vida familiar e em seu relacionamento com Deus; sua prosperidade não era fundamentada somente no “ter”, mas, principalmente, no “ser”.

Jó sabia que a sua riqueza vinha de Deus, e sabia que seu amor deveria ser endereçado a Deus, e não às dádivas de Deus. Ele tinha convicção plena de que o abençoador é melhor do que a bênção e que o doador é melhor do que suas dádivas. Quando o homem entende que tudo vem de Deus e tudo pertence a Deus, não tem dificuldade de colocar esse tudo nas mãos de Deus. O homem não trouxe nada para este mundo, nem vai levar nada dele.

2. O colapso do patrimônio de Jó

Satanás não aceitou que um homem ultra milionário como Jó permanecesse íntegro, justo e temente a Deus, e que se desviava do mal. Por isso, ele intentou afastar Jó de Deus, procurando fazer com que ele acreditasse que o governo de Deus sobre o mundo não é bom ou justo. De repetente, Satanás, o acusador, compareceu perante Deus alegando que Jó só confiava nEle porque era rico, e tudo lhe corria bem. Com a permissão de Deus, Satanás saiu da sua presença e, de forma implacável, atacou os bens de Jó. Num único dia, ele arregimentou os caldeus, os sabeus e fez o fogo descer, e, num rastilho de pólvora, todos os bens desse rico patriarca foram saqueados e destruídos. O relato bíblico é comovente:

Certo dia, quando os filhos e filhas de Jó comiam e bebiam vinho na casa do irmão mais velho, um mensageiro foi até Jó e lhe disse: Os bois estavam lavrando e as jumentas pastavam perto deles; então os sabeus os atacaram e os levaram. Eles ainda mataram os servos ao fio da espada, e só eu escapei para trazer-te essa notícia. Enquanto o mensageiro ainda falava, veio outro e disse: Fogo de Deus caiu do céu, queimou as ovelhas e os servos e os consumiu; só eu escapei para trazer-te essa notícia. Enquanto ele ainda falava, veio outro e disse: Os caldeus dividiram-se em três grupos, atacaram os camelos e os levaram, e ainda mataram os servos ao fio da espada; só eu escapei para trazer-te essa notícia (Jó 1:13-17).

E assim, o homem mais rico do mundo foi à falência. O grande empresário rural perdeu tudo e foi à bancarrota. Seu império econômico entrou em colapso. Como uma avalanche, as notícias foram chegando a Jó, informando-lhe que seus bens estavam sendo dissipados. As coisas aconteciam com uma celeridade incomum. Não dava tempo sequer para respirar. Jó não conseguia elaborar um plano para estancar essa hemorragia que sangrava sua economia. Não teve tempo para debelar o fogo nem mesmo para resistir ao ataque fulminante dos caldeus e sabeus. Jó, o homem mais rico do Oriente, faliu. Sua fortuna, como um castelo de areia, ruiu. Seus rebanhos ficaram nas mãos de ladrões impiedosos. Seus campos foram lambidos pelo fogo. Nada sobrou de toda a riqueza que ostentava. Tudo estava perdido!

Diante de tão grande tragédia, será que Jó blasfemaria de Deus? Será que Jó ergueria seus punhos contra Deus? Será que da boca de Jó sairiam torrentes de blasfêmias? Será que Jó negaria seu Deus no vale da prova? Será que a fidelidade de Jó estava fundamentada apenas nas benesses recebidas das mãos divinas? Será que a crença de Jó era apenas uma barganha, um negócio lucrativo ou uma troca de favores? Qual foi a atitude desse patriarca ao perder todo o seu patrimônio – indústrias, comércio e agronegócio?

Muitos indivíduos quando são atingidos pelos terremotos financeiros, desesperam-se; outros insurgem-se contra Deus; outros cometem suicídio e dão cabo da própria vida. O que fez, então, Jó? O texto sagrado afirma que no exato momento que sofreu o golpe, o patriarca prostrou-se não para blasfemar contra Deus, mas para adorá-lo. Longe de atribuir a Deus qualquer culpa ou revoltar-se contra o Altíssimo, afirmou: “Eu sai nu do ventre de minha mãe, nu voltarei para lá” (Jó 1:21). Assim, Jó estava dizendo que a razão de sua vida não tinha como fundamento os bens que granjeara nem a riqueza que ostentava. Jó tinha plena consciência de que não havia trazido nada para este mundo nem levaria nada dele. Jó sabia que os bens são dádivas de Deus, que riqueza e glória vêm de Deus, mas que a vida de um homem não consiste na abundância de bens que ele possui (Lc.12:15). Jó definitivamente triunfou sobre a investida de Satanás. O relato bíblico é enfático: “Em tudo isso Jó não pecou, nem culpou a Deus coisa alguma” (Jó 1:22).

II. TRAGÉDIA DE NATUREZA FAMILIAR

1. Os Filhos

A maior riqueza de Jó não eram suas propriedades nem seus rebanhos, mas sua família. Ele tinha dez filhos. Não obstante serem muitos, abastados e ricos, conservavam estreita amizade. Eram unidos. Celebravam juntos. Essa unidade familiar não foi costurada sem esforço - Jó era o grande arquiteto dela.

Ele era um pai piedoso e também um pai intercessor. Jó dedicava o melhor do seu tempo para orar pelos filhos, para colocar-se na brecha em favor deles. Chamava os filhos e exortava-os a não pecar contra Deus. A preocupação principal de Jó não era com a reputação dos filhos, mas com a glória de Deus. Ele tinha preocupação de que seus filhos pecassem contra Deus em seu coração. Apenas aparência de piedade não servia para Jó. Tomava cuidado para que seus filhos não caíssem nas malhas da hipocrisia.

Mesmo sendo um pai tão zeloso, a tragédia um dia bateu à porta de sua casa. Mesmo sendo um pai intercessor, um dia a crise se instalou em sua família. Mesmo cumprindo cabalmente seu papel de sacerdote do lar, um dia a tempestade desabou sobre sua cabeça. No mesmo dia em que perdeu todos os seus bens, chegou-lhe a amarga notícia de que seus filhos, reunidos na casa do primogênito, sofreram um trágico acidente, e a casa desabou sobre todos eles, vindo todos a óbito. Eis o dramático relato:

“Enquanto ele ainda falava, veio outro e disse: Teus filhos e tuas filhas estavam comendo e bebendo vinho na casa do irmão mais velho; veio um forte vento do deserto, atingiu os quatro cantos da casa. que caiu sobre os jovens, e eles morreram. Só eu escapei para trazer-te essa notícia” (Jó 1:18,19).

Depois de sofrer o golpe da falência patrimonial, agora Jó sofre a dor do luto - o luto pelos dez filhos. Esse pai, arruinado financeiramente, agora precisou sepultar seus dez filhos num único dia. Como esse homem voltou do cemitério? Como recomeçou a vida? Como encontrou alento para dar os primeiros passos? O que fazer nessas horas? Jó havia perdido coisas e pessoas; havia perdido os bens e os filhos; estava despojado de suas riquezas e de sua família. Parecia que esse homem só tinha passado e mais nenhum futuro. O presente havia mostrado a ele sua carranca. Os golpes tinham sido profundos demais, e ele estava sem fôlego para prosseguir.

“Esta foi a maior das perdas de Jó, e que o atingiu mais de perto; e por isso o Diabo a reservou para o final, para que se outras contrariedades falhassem, esta pudesse fazê-lo amaldiçoar a Deus. Nossos filhos são partes de nós mesmos; é muito difícil separar-nos deles, e isso fere um bom homem de maneira mais profunda possível. Mas separar-se de todos eles de uma vez, e o fato de estarem todos mortos, sim, aqueles que haviam sido por tantos anos a sua preocupação e a sua esperança, era algo que o atingia realmente no âmago do seu ser” (HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Antigo Testamento: Jó a Cantares de Salomão. Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p.10).

2. A reação de Jó

Qual foi a reação de Jó diante de tão fatídica tragédia? O mesmo Jó que já havia prevalecido no primeiro round da luta se manteria de pé nessa nova investida de Satanás? Ergueria Jó seus punhos contra Deus? Será que Jó pecaria contra Deus ao sofrer tão amarga perda? Será que Satanás ganharia esse round da luta? Será que Satanás estava certo em dizer que ninguém ama mais a Deus do que à família? Será que a devoção do homem a Deus fica sempre aquém de seu amor aos filhos?

Para desespero de Satanás, Jó não blasfemou contra Deus, mas adorou-o com o coração quebrantado. A reação de Jó, ao receber a notícia fatídica da morte de seus filhos, foi prostrar-se, cobrir-se de pó e adorar a Deus. Ele se levantou, rasgou o manto, rapou a cabeça, prostrou-se no chão, adorou e orou:

“Eu sai nu do ventre de minha mãe, e nu voltarei para lá. O SENHOR o deu, e o SENHOR o tirou; bendito seja o nome do SENHOR. Em tudo isso Jó não pecou, nem culpou a Deus por coisa alguma” (Jó 1:20-22).

Diante de tão admirável atitude, destacamos três verdades (Adaptado do livro “As teses de Satanás, de Hernandes Dias Lopes):

-Primeiro, Jó tinha plena convicção de que os filhos eram presentes de Deus. Foi Deus quem os deu, e só Ele podia tirá-los dele. Jó sabia que os seus filhos tinham vindo de Deus, pertenciam a Ele e deviam ser entregues e consagrados a Deus.

-Segundo, Jó tinha plena convicção de que Deus é soberano para tomar os filhos conforme o seu perfeito propósito. Não importa se os agentes que ceifam a vida dos filhos são perversos; só Deus tem o poder de dar a vida e de tirá-la (1Sm.2:6). Até mesmo nas maiores tragédias é Deus quem está no controle. Até mesmo quando Satanás está agindo, é a mão da providência de Deus que está governando. Mesmo que a providência seja carrancuda, a face benevolente de Deus está voltada para nós. Os dramas da nossa vida não apanham Deus de surpresa nem desafiam sua providência. Mesmo quando cruzamos os vales mais escuros, é a mão de Deus que dirige o nosso destino.

-Terceiro, Jó tinha plena convicção de que devemos adorar a Deus pelos nossos filhos, seja na vida, seja na morte. Nem sempre a providência divina vem a nós com largos sorrisos. Às vezes, a providência se torna carrancuda. Às vezes, sofremos golpes profundos e aprendemos pelas coisas que sofremos. Deus não é Deus apenas das horas alegres, mas também das horas tristes. Deus é digno de ser adorado não apenas na hora do nascimento, mas também na hora da morte. Nossa adoração a Deus é incondicional e ultracircunstancial.

3. A reação da esposa de Jó

A reação da mulher de Jó diante das tragédias acometidas - sobre o seu marido, o patrimônio da família, seus filhos -, deixou-a em estado de choque e falou coisas típicas de pessoas desesperadas, descontroladas, e revoltadas com tudo e com todos. Seu desespero foi tão forte que quis empurrar Jó para o abismo, sugerindo a ele pisotear seus valores, abandonar sua fé e lançar-se nos braços da morte.

Muitos casamentos não suportam uma tragédia financeira no lar como esta. A mulher de Jó ordenou-lhe a abrir mão de seus absolutos, amaldiçoar a Deus e morrer. Ela disse a Jó: “... Tu  ainda te manténs íntegro? Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 2:9). Ela não suportou a sucessão de tantas perdas. Decepcionada com Deus, estava disposta a virar a mesa e abandonar todos os valores e princípios que haviam regido até então sua vida. Nota-se que sua fidelidade a Deus era condicional; ela mantinha sua devoção apenas nos dias áureos. Sua fé era circunstancial, e sua ética, situacional.

Mesmo mergulhado num caudal de sofrimento e dor, Jó respondeu à sua mulher com firmeza granítica: “Tu falas como uma louca. Por acaso receberemos de Deus apenas o bem e não também a desgraça?” (Jó 2:10). Muitos exegetas procuram atribuir um sentido a este texto o qual ele não tem. Para esses, a esposa de Jó não estava mandando amaldiçoar a Deus, mas orientando Jó a louvá-lo e morrer em paz. No entanto, as evidências do texto depõem contra esse entendimento. A reação de Jó, ao dizer que sua esposa falava “como louca”, confirma esse fato. 

Como entender a reação da  mulher de Jó diante da situação caótica de seu marido? É difícil compreender, num só ângulo, a sua reação. Ao ver o seu marido no meio da cinza com um pedaço de cerâmica raspando as feridas, no monturo da cidade, como um pária, um sentimento amargo lhe invade a alma aflita. Ela perdeu definitivamente a esperança; achava que já havia chegado ao limite da vida. Aproximou-se do marido moribundo, sentiu pena dele, fechou os olhos, apertou-os e a seguir disparou: “Ainda reténs a tua sinceridade? Amaldiçoa a Deus e morre” (Jó 2:9). Nenhum sofrimento pode ser maior do que a confiança e fidelidade a Deus. O Senhor jamais permitirá que sejamos tentados acima de nossas forças (1Co.10:13).

Assim como os servos de Jó foram preservados da morte para levarem a notícia calamitosa ao patriarca, a esposa parece que fora guardada todo esse tempo para soltar esse último chicote. Sem o saber, pensando que a morte seria a melhor solução para o marido, a mulher emprestou sua boca ao Tentador incitando Jó a se rebelar e amaldiçoar a Deus.

A mulher em vez de confiar em Deus acima de todas as coisas, em vez de amar ao Senhor pelo que Ele é, deixou-se levar pelas circunstâncias atrozes, fundamentada em um relacionamento de barganha com Deus. Para muitos a morte é a solução para uma vida de infortúnios e desajustes domésticos; contudo, sempre há uma esperança para aqueles que confiam em Deus.

Jó olha para sua esposa, e a mira com ternura e carinho. A mulher sente o tempo parar por alguns instantes. Embora o tabernáculo terrestre de Jó estivesse se desfazendo, seu edifício eterno estava preparado por Deus (2Co.5:1). Os olhos de Jó traziam um brilho vivaz, contagiante, embora todo o restante dissesse o contrário. Podemos ver nesse olhar de Jó, o olhar de Jesus quando Pedro o negou; e, carinhosamente, Jó fala para a sua mulher:

“Como fala qualquer doida, assim falas tu; receberemos o bem de Deus e não receberíamos o mal?” (Jó 2:10).

O sábio Jó afirmara que sua esposa, em seu desespero e dor, falava como uma pessoa sem entendimento, como alguém que ele não conhecia. A mulher ficou desconcertada diante da afirmação do marido; refletiu a respeito do assunto; lembrou das muitas orações de Jó feitas em gratidão ao Senhor. E ali mesmo, reconsiderou, calou-se e desapareceu do cenário até o final do livro de Jó quando Deus restitui-lhe todas as coisas. Embora não seja mencionada no final do livro, não há razões para se duvidar de sua presença; certamente, ela é a esposa incansável que esteve com o marido nos piores momentos e circunstâncias, mas que, em certo momento, perdeu as esperanças, contudo, a recobrou através da piedade e devoção de seu marido.          

III. TRAGÉDIA DE NATUREZA FÍSICA E PSICOLÓGICA

Satanás pode causar dor e sofrimento nas pessoas. Seu desejo é ver as pessoas sofrerem. Sua missão é causar dor. Ele impôs ao patriarca Jó um sofrimento, até então, sem precedentes, pois ninguém sofreu como ele no Antigo Testamento. O sofrimento de Jó pode ser analisado em dois aspectos principais: físico e psicológico.

1. O Diabo tocou na saúde de Jó

Em outra ocasião, Deus estava reunido com seus filhos (muito provavelmente os anjos), e também muito provavelmente nas regiões celestes, quando mais uma vez apareceu por lá Satanás. Veja o registro bíblico:

“Outro dia, em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR, Satanás também veio com eles para igualmente se apresentar perante o SENHOR. Então o SENHOR perguntou a Satanás: De onde vens? Satanás respondeu ao SENHOR: De rodear a terra e de passear por ela (Jó 2:1,2).

Veja aqui a resposta de Satanás: “De rodear a terra e de passear por ela”. Em outras palavras, isto quer dizer: "Eu não mudei minha agenda. Continuo fazendo o que sempre quis fazer. Estou por aí, vivo e ativo no planeta Terra, investigando pessoas, buscando uma brecha, colocando armadilhas no caminho dos incautos, cegando o entendimento dos incrédulos, controlando os filhos da ira, induzindo-os ao erro, criando doutrinas falsas, tentando e seduzindo pessoas a caírem em tentação".

Na ocasião, Deus novamente perguntou a Satanás: ”Observaste o meu servo Jó? Não há ninguém na terra como ele. É um homem íntegro e correto, que teme a Deus e se desvia do mal. Ele ainda se mantém íntegro, embora tu me houvesses incitado contra ele, para destruí-lo sem motivo” (Jó 2:3).

Deus joga na cara de Satanás que Jó havia prevalecido sobre suas acusações deletérias nas investidas anteriores. Jó provara que seu amor a Deus era superior ao seu amor ao dinheiro e à família. Jó provara que sua devoção a Deus não era uma barganha. Sua adoração era verdadeira, e sua devoção era sincera. Mesmo diante das perdas mais profundas, falência financeira e luto pelos filhos, Jó continuava sendo o homem mais piedoso do mundo. Sua piedade e sua reputação estavam intactas. Nenhum arranhão existia em seu relacionamento com Deus. Jó não servia a Deus por aquilo que recebia dEle, mas por quem Deus é.

Satanás não gostou do testemunho de Deus em favor de Jó; então, contra-atacou lançando seu torpedo mortífero. Eis o registro bíblico:

Então Satanás respondeu ao SENHOR: Pele por pele! Tudo quanto um homem tem ele dará por sua vida. Estende a mão agora e toca-lhe nos ossos e na carne, e ele blasfemará contra ti na tua face!” (Jó 2:4,5).

O argumento de Satanás é que ninguém ama mais a Deus do que a si mesmo. O amor-próprio é um sentimento inato e uma defesa natural. Protegemo-nos instantaneamente, naturalmente, constantemente. Tocar na pele, nos ossos e na carne é a forma mais profunda de atingir alguém; não é apenas atingir sua saúde, mas atingi-la da forma mais aguda e dolorosa. Satanás estava insinuando que, na dor, ninguém consegue ser fiel a Deus. Satanás estava afirmando que, no sofrimento, os valores do homem mudam. Satanás estava duvidando da firmeza de Jó, quando as baterias do sofrimento atingirem não apenas seu bolso e suas emoções, mas também seu corpo. Deus refutou a posição de Satanás e abriu caminho para que ele atingisse a saúde de Jó, em seus ossos e em sua carne. O Senhor disse a Satanás: “Ele está sob teu poder; somente lhe poupa a vida” (Jó 2:6). Satanás só pode agir na vida dos filhos de Deus quando este o permite. Deus traça um limite: “... somente lhe poupa a vida”. Satanás é um ser limitado; ele só pode ir até aonde Deus permite que vá; nem um centímetro a mais.

2. Saúde física

Debaixo de uma limitação imposta por Deus, Satanás saiu para cumprir o seu intento maléfico. Diz o texto bíblico:

“Satanás saiu da presença do SENHOR e feriu Jó com feridas malignas, da sola dos pés até o alto da cabeça (Jó 2:7).

Segundo Hernandes Dias Lopes, Satanás é um ser mórbido; seu desejo é ver as pessoas sofrerem; sua missão é causar dor. Ele colocou uma enfermidade muito dolorosa em Jó. Tumores malignos cobriram todo o seu corpo. O mesmo Jó que acabara de perder todos os seus bens e sepultar todos os seus filhos, imaginando que sua dor já era grande demais, agora enfrentava uma doença avassaladora, que deixara chagado todo o seu corpo.

Bolhas de pus arrebentaram em seu corpo. Sua pele ficou enegrecida e necrosada. A dor lancinante o atormentava de dia e de noite. Não havia pausa nem descanso. Não havia alívio sequer um minuto. O  homem mais rico do Oriente, agora falido e enlutado, estava também desolado e atormentado por uma dor que castigava com rigor desmesurado o seu corpo. Jó se assentou na cinza e começou a raspar suas feridas putrefatas com cacos de telha. Diz o texto: “Sentando-se em cinzas, Jó pegou um caco para se raspar” (Jó 2:8).

O corpo de Jó foi surrado pela doença. A dor cruel latejava em todo o seu corpo sem pausa nem descanso. Jó não conseguia comer, apenas chorar. Sua dor não cessava. Seu corpo ficou imundo. Seus ossos quase à mostra revelavam a tragédia que devastava sua saúde. Sua pele ficou cheia de feridas e pus. Disse Jó: “Meu corpo está coberto de vermes e de crostas de sujeira; a minha pele se resseca, e as feridas voltam a se abrir” (Jó 7:5). Suas dores o apavoravam (Jó 9:27,28). Seu corpo apodrecia como uma roupa comida de traça (Jó 13:28), encarquilhado e magérrimo (Jó 16:8). Seus ossos se deslocaram. Sua dor não tinha pausa (Jó 30:17). Sua pele enegreceu e começou a descamar. Seus ossos queimavam de febre (Jó 30:30).

Muitos blasfemam contra Deus na dor. Outros se revoltam e erguem os punhos contra os céus. Não poucos se afastam de Deus, decepcionados e amargurados. Porém Jó, no espiral da dor, no epicentro da tempestade, ele respondeu à sua mulher:

“... Por acaso receberemos de Deus apenas o bem e não também a desgraça? Em tudo isso Jó não pecou com os lábios (Jó 2:10).

Com estas palavras resolutas, Jó provou amar mais a Deus do que a si mesmo; deixou patente que amava mais a Deus do que à própria pele. Jó demonstrou que não servia a Deus pelos favores recebidos dEle, mas servia-lhe pelo seu caráter. Deus é melhor do que as dádivas dEle.

Satanás tirou tudo de Jó - seus bens, seus filhos, sua saúde e o apoio de sua mulher.
Mesmo assim, sob a mais densa tormenta, no epicentro da crise, Jó manteve sua fidelidade a Deus.

O homem mais cercado de respeito e admiração esteve na cinza, coberto de chagas, sentindo dores atrozes. Mesmo coberto de desventuras, mesmo surrado pelo chicote da dor, mesmo com os olhos molhados de lágrimas, mesmo perdendo todas as conexões da terra, Jó não perdeu seu amor a Deus nem sua esperança no Redentor. Do mais profundo dos vales, ele gritou: “Eu sei que o meu redentor vive” (Jó 19:25). Mais uma vez, Satanás foi vergonhosamente derrotado. Glórias a Deus!

3. Saúde emocional e psicológica

Além da saúde física, Jó experimentou o sofrimento emocional, que o levou a uma tendência de distúrbio psicológico. Não há uma clareza no texto sagrado que nos permita auferir com certeza que Jó entrou em depressão; todavia, há vários textos no corpo do livro que nos levam a fazer essa inferência (cf. Jó 3:1-14). Jó chegou amaldiçoar o dia de seu nascimento, não vendo mais razão para que fosse comemorado. Somente debaixo de forte pressão psicológica é que pessoas chegam a tal ponto.

Jó ficou angustiado e amargurado (Jó 7:11). À noite, seus sonhos e visões só lhe traziam mais terror (Jó 7:14). Ele chegou a ficar cansado de viver (Jó 10:1). Seu rosto afogueou de tanto chorar (Jó 16:16). Ele estava cercado de pessoas que o provocavam (Jó 17:2). As pessoas cuspiam em seu rosto (Jó 17:6; 30:10). Seus sonhos e esperanças fracassaram (Jó 17:11). Os irmãos e conhecidos fugiram dele na sua dor (Jó 19:13). Os parentes o desampararam (Jó 19:14). As pessoas que receberam sua ajuda no passado o tratavam com desprezo (Jó 19:15). O mau hálito e o mau cheiro que exalavam do seu corpo expulsaram a esposa e os irmãos de perto dele (Jó 19:17). Até as crianças o desprezavam e dele zombavam (Jó 19:18). Todos os seus amigos íntimos o abandonaram (Jó 37:2). Sua honra e felicidade foram arrancadas (Jó 30:15). Aconteceu o contrário de tudo de bom que ele desejou (Jó 30:26,27).

Jó era um modelo de confiança e obediência a Deus, mesmo assim Deus permitiu que Satanás o atacasse de forma especial e cruel. Embora Deus nos ame, crer nEle e obedecê-lo não nos isenta de calamidades na vida. Reveses, tragédias e tristezas atingem tantos os não crentes como os crentes. Contudo, Deus espera que, durante nossas provas e sofrimentos, expressemos nossa fé diante do mundo.

CONCLUSÃO

Como reagimos às intempéries e vicissitudes da vida? Perguntamos a Deus: “Por que eu?” Ou dizemos: “usa-me, Senhor!”. Devemos aprender a reconhecer, mas não temer, os ataques de Satanás, pois ele não pode exceder os limites estabelecidos por Deus. Embora não possamos controlar os ataques do Diabo, podemos sempre escolher como reagir a eles.

O Senhor Jesus ensinou os seus discípulos a reagir diante das dificuldades da vida. Em nenhum momento nosso Senhor negou que teríamos sofrimento na vida. Nesse aspecto, a grande diferença entre quem tem confiança em Cristo está na forma que se passa pelo caminho do sofrimento. Jó foi constrangido a suportar as dores mais terríveis e os piores desconfortos a que um ser humano jamais fora submetido, entretanto, reteve a sua integridade. Assim, Jó é um grande exemplo de fé e paciência para o povo de Deus do Novo Testamento.