Texto Base: Jó 3:1-26
“Porque antes do meu pão vem o meu suspiro; e os meus gemidos se derramam como água” (Jó 3:24).
1.Depois disto, abriu Jó a boca e amaldiçoou o seu dia.
2.E Jó, falando, disse:
3.Pereça o dia em que nasci, e a noite em que se disse: Foi concebido um homem!
4.Converta-se aquele dia em trevas; e Deus, lá de cima, não tenha cuidado dele, nem resplandeça sobre ele a luz!
5.Contaminem-no as trevas e a sombra da morte; habitem sobre ele nuvens; negros vapores do dia o espantem!
6.A escuridão tome aquela noite, e não se goze entre os dias do ano, e não entre no número dos meses!
7.Ah! Que solitária seja aquela noite e suave música não entre nela!
8.Amaldiçoem-na aqueles que amaldiçoam o dia, que estão prontos para fazer correr o seu pranto.
9.Escureçam-se as estrelas do seu crepúsculo; que espere a luz, e não venha; e não veja as pestanas dos olhos da alva!
10.Porquanto não fechou as portas do ventre, nem escondeu dos meus olhos a canseira.
11.Por que não morri eu desde a madre e, em saindo do ventre, não expirei?
12.Por que me receberam os joelhos? E por que os peitos, para que mamasse?
13.Porque já agora jazeria e repousaria; dormiria, e, então, haveria repouso para mim,
14.com os reis e conselheiros da terra que para si edificavam casas nos lugares assolados,
15.ou com os príncipes que tinham ouro, que enchiam as suas casas de prata;
16.ou, como aborto oculto, não existiria; como as crianças que nunca viram a luz.
17.Ali, os maus cessam de perturbar; e, ali, repousam os cansados.
18.Ali, os presos juntamente repousam e não ouvem a voz do exator.
19.Ali, está o pequeno e o grande, e o servo fica livre de seu senhor.
20.Por que se dá luz ao miserável, e vida aos amargurados de ânimo,
21.que esperam a morte, e ela não vem; e cavam em procura dela mais do que de tesouros ocultos;
22.que de alegria saltam, e exultam, achando a sepultura?
23.Por que se dá luz ao homem, cujo caminho é oculto, e a quem Deus o encobriu?
24.Porque antes do meu pão vem o meu suspiro; e os meus gemidos se derramam como água.
25.Porque o que eu temia me veio, e o que receava me aconteceu.
26.Nunca estive descansado, nem sosseguei, nem repousei, mas veio sobre mim a perturbação.
INTRODUÇÃO
Na Aula anterior tratamos da situação dramática de Jó, com base nos textos de Jó 1:13-22; 2:6-8. Vimos que o homem mais rico do Oriente, tornou-se o mais pobre da região; o homem de uma família unida e bem educada moralmente e espiritualmente, contemplou, resignado, o funeral de seus filhos amados, o seu bem mais precioso; o homem que tinha muita saúde física e mental, tornou-se o maior doente de sua época. Tudo isto lhe proporcionou extrema desonra, infligida por um julgamento público. Seus amigos foram para consolá-lo, mas ficaram sem palavras ao contemplarem seu debilitado estado de saúde. Após sete dias silente, Jó irrompeu o silêncio com um lamento que veio do fundo da alma; nesse lamento, Jó mirou o dia de seu nascimento e, através de dezesseis perguntas, desabafou tudo o que sentia naquele momento. Nesta Aula, estudaremos três das indagações de Jó: Por que nasci? Por que não nasci morto? Por que ainda continuo vivendo? Temos como base o capítulo 3 do Livro, onde é registrado que o patriarca desejou intensamente a morte (Jó 3:1-5); ao desejá-la, ele teve como objetivo dar fim ao ciclo de sofrimento que imperava sobre a sua vida. Contudo, apesar de ele desejar morrer, não buscou o suicídio; mesmo diante do mais terrível sofrimento, Jó não ousou entrar numa "jurisdição" que pertence somente a Deus. Ele, indiretamente, nos transmite a importante mensagem de que o único que pode decidir acerca do início e do fim da vida é o Deus Altíssimo. No seu ponto de vista, se Deus era a causa de sua vida, deveria também ser a causa de sua morte, pois se dEle vinha o bem, também deveria vir a provação (Jó 2:10).
I. PRIMEIRO LAMENTO DE JÓ: POR QUE NASCI? (3:1-10)
1. “Por que nasci?”
Jó 3:1-10 trata a respeito do primeiro questionamento de Jó: “Por que nasci?” Jó ficou solitário, humilhado, silente e sofrendo dores; seu sofrimento maior era o sentimento de que Deus o abandonara. Após prantear por sete dias com seus amigos, ele quebra o silencio. Ele “amaldiçoou o seu dia”, isto é, o dia do seu nascimento. Começou maldizendo o dia em que nasceu e o porquê de sua vida de sofrimento. Suas palavras denunciavam o seu desespero – “Pereça o dia em que nasci, e a noite em que se disse: Foi concebido um homem!” (Jó 3:3). Observe os termos “dia” e “noite” – referem-se o dia do seu nascimento e a noite da sua concepção. Aqui ele deseja que estes turnos nunca tivessem existido.
Note-se, porém, que em tudo isso Jó não blasfemou contra Deus. Seu lamento era uma expressão de dor e desolação, mas não uma expressão de revolta contra Deus. Sempre é melhor para o crente levar ao Senhor em oração suas dúvidas e sentimentos sinceros. Nunca é errado levarmos a Deus nossas aflições e angústias, a fim de invocarmos a sua compaixão. O profeta Jeremias, também, expôs os seus sentimentos diante de seus conflitos (cf.Jr.20:14-18; cf. Lm.3:1-18). O próprio Jesus Cristo indagou ao Pai: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mt.27:46). Se estivéssemos numa situação parecida, como reagiríamos? Pense nisso!
2. Que em lugar da memória viesse o esquecimento
A reação de Jó diante de seu sofrimento físico contrasta em muito com a sua atitude após a primeira prova, a saber, a perda de seu poder econômica e de seus filhos (cf. Jó 1:20-22). Mesmo assim, Jó não amaldiçoa a Deus, e sim o dia de seu nascimento. Ele achava melhor nunca ter nascido que ser abandonado por Deus. Para Jó, esse dia teria de ser apagado do calendário. Veja que Jó estava lutando emocional, física e espiritualmente; sua miséria era profunda e lancinante. Não é assim que muitas vezes nos sentimos? O dia em que as tempestades da vida desabam sobre nós com fúria e intensidade, temos desejo de nunca mais lembrar desse dia! Nunca subestimemos a vulnerabilidade do ser humano durante os momentos de sofrimento e dor. Precisamos persistir em nossa fé mesmo que não haja alívio.
É bom estarmos cônscios de que a fidelidade a Deus não é garantia de que o crente não passará por aflições, dores e sofrimentos nesta vida (João 13:33). Na realidade, Jesus ensinou que tais coisas poderão acontecer ao crente. A Bíblia contém numerosos exemplos de santos que passaram por grandes sofrimentos, por diversas razões - além de Jó, José, Davi, Jeremias, Paulo...
3. Que em vez da ordem viesse o caos
4.Converta-se aquele dia em trevas; e Deus, lá de cima, não tenha cuidado dele, nem resplandeça sobre ele a luz!
5.Contaminem-no as trevas e a sombra da morte; habitem sobre ele nuvens; negros vapores do dia o espantem!
6.A escuridão tome aquela noite, e não se goze entre os dias do ano, e não entre no número dos meses!
7.Ah! Que solitária seja aquela noite e suave música não entre nela!
8.Amaldiçoem-na aqueles que amaldiçoam o dia, que estão prontos para fazer correr o seu pranto.
9.Escureçam-se as estrelas do seu crepúsculo; que espere a luz, e não venha; e não veja as pestanas dos olhos da alva!
10.Porquanto não fechou as portas do ventre, nem escondeu dos meus olhos a canseira.
Jó, completamente desfigurado e sentindo-se abandonado por todos, inclusive por Deus, embora reconhecesse Sua soberania, passou a desejar que a sua existência fosse eliminada do universo, pois Deus, poderoso como é, bem poderia apagar o dia da sua concepção ou de seu nascimento. Jó não via sentido algum na sua existência, pois, apesar de ter tido um bom testemunho diante de Deus, estava, agora, em situação extremamente lamentável e, certamente, os seus amigos, que ali estavam, iam questionar a sua própria situação.
Note que nos textos acima Jó amaldiçoou seu dia natalício, exaltou a morte e ainda reclamou que não conseguia morrer. Pediu que o dia em que se disse “foi concebido um homem” (isto é, ele mesmo) se transformasse em “trevas”, que em vez de ordem viesse o caos.
Em Jó 3:5, “trevas” e “mortes” são usados como sendo simbolicamente equivalentes. Na maldição “negros vapores do dia seguinte” (Jó 3:5), o plural dá a entender que todos os meios de fazer a escuridão aparecer durante o dia eram considerados, como um elipse solar, tempestades sombrias amedrontadoras e, talvez, formas mágicas e sobrenaturais de esconder o sol. A noite da concepção de Jó deveria ter um destino semelhante (Comentário Bíblico Beacon):
-“E não se goze entre os dias do ano” (Jó 3:6), seria melhor traduzido por: “não se regozije ela entre os dias do ano” (veja ARA), nem configure “no número dos meses.
-“Que solitária seja aquela noite” (Jó 3:7), significa literalmente: “seja estéril ou infecunda”. -“E suave música não entre nela”, é a consequência exata descrita em Jó 3:3, em que a concepção e o nascimento de um filho homem são desaprovados.
-“Amaldiçoem-na” (Jó 3:8), refere-se a uma crença popular de que mágicos ou feiticeiros tinham a habilidade de colocar em pratica uma maldição ou um feitiço (veja a história de Balaão – Nm.22:6,12).
-“Para fazer correr o seu pranto” , é uma alusão obscura. Na NVI, este texto é traduzido da seguinte forma:“…amaldiçoam os dias e são capazes de atiçar o leviatã...". Provavelmente o autor tinha em mente a mitologia popular da sua época. Leviatã pertence ao mundo de caos. Acreditava-se que ele era capaz de criar um eclipse ao cobrir ou engolir o sol e a lua. Esse versículo então se referia àqueles que são capazes de amaldiçoar dias e despertar Leviatã para provocar escuridão e, portanto, destruir efetivamente o dia.
-“Porquanto não fechou as portas do ventre (Jó 3:10) - na concepção de Jó, teria sido melhor que tudo tivesse parado, em vez de ele ter nascido e vivido para ver tamanha angústia e destruição em sua vida.
"…Jó era como um homem que tinha perdido seu caminho e que não tinha perspectiva alguma de escape, esperança de tempos melhores. Mas, certamente que ele estava de posse de um mau quadro para a morte já que se encontrava tão desgostoso para a vida. Que seja nosso cuidado constante estarmos prontos para um outro mundo, e então deixe para o Senhor ordenar nossa remoção para lá quando Ele tiver vontade. A graça ensina-nos no meio dos maiores confortos da vida a desejar a morte e no meio das maiores cruzes a desejar a vida. O caminho de Jó estava escondido; ele não sabia o porquê de Deus ter contendido com ele. O aflito e tentado cristão sabe algo desta aflição; quando ele tem estado olhando demasiadamente para as coisas que se veem, algum castigo do Seu Pai celestial lhe dará o gosto deste desgosto da vida, e um relance das regiões escuras do desespero. Nem há alguma ajuda até que Deus lhe restaure as alegrias da salvação. Abençoado seja Deus, a terra está cheia da Sua bondade, embora cheia da maldade do homem. Esta vida pode ser feita tolerável se nós cumprimos nosso dever. Nós esperamos por misericórdia eterna, se de boa vontade recebemos Cristo como nosso Salvador.…" (Matthew HENRY. Comentário Bíblico Conciso - Jó 3 - www.goodrules.net/samericano.htm)
II. SEGUNDO LAMENTO DE JÓ: POR QUE NÃO NASCI MORTO? (Jó 3:11-19)
Em Jó 3:11-19, o patriarca questiona por que não morreu ao nascer. Aqui, Jó exalta a morte como um estado em que os cansados repousam e no qual “estão tanto o pequeno como o grande e o servo livre de seu senhor” (Jó 3:19). Porém, é interessante observar que, apesar da angústia e da dor terrível que sentia, em momento algum apoiou o aborto ou o infanticídio, crimes comuns no mundo antigo e que ainda, de forma intensa e cruel, são praticados nos dias de hoje, em todo o mundo.
1. Descansando em paz
"Por que não morri ao nascer, e não pereci quando saí do ventre? Por que houve joelhos para me receberem e seios para me amamentarem? Agora eu bem poderia estar deitado em paz e achar repouso” (Jó 3:11-13 – N.V.I).
Estas palavras de Jó mostram que ele reclamava por descanso de todo aquele sofrimento; era a única maneira de ele ficar livre daquela tribulação. Por não haver a possibilidade de voltar atrás no tempo e cancelar os acontecimentos que levaram ao seu nascimento, Jó voltou-se para outro lamento: “Por que não morri eu desde a madre e, em saindo do ventre, não expirei?” (Jó 3:11). Muitos bebês nascem morto, por que ele não teve a sorte de seu um deles? Reclamou Jó. Os “joelhos” da parteira e “peitos” (Jó 3:12) da sua mãe deveriam ter falhado em preservar a criança recém nascida. Segundo Jó, se a morte tivesse sido o seu destino logo no início, então suas maiores esperanças teriam sido alcançadas havia muito tempo – “então, haveria descanso para mim” (Jó 3:13). Em seu lamento, Jó observa a morte como um repouso, um descanso, algo que nivela a todos os homens, indistintamente, independentemente de sua riqueza ou posição social.
A expressão de Jó pode dar a entender que a morte seria um estado de inconsciência, um sono profundo, uma suspensão da existência, já que o patriarca fala em "repouso". Contudo, aqui também, o patriarca traz-nos importantes lições sobre a verdade bíblica da morte. A morte é um repouso, sim, é um descanso, mas não uma suspensão da existência.
O patriarca deseja a morte porque ela lhe será o fim do seu sofrimento (Jó 3:17). Como se não bastasse isso, o patriarca afirma que, ao ser achada a morte, há alegria, exultação e saltos (Jó 3:22). Como entender, então, que, com a morte, a alma ficaria inconsciente até o dia da ressurreição, como defendem algumas seitas e heresias, já que seu encontro é motivo para alegria de quem a buscava?
Sem dúvida, a morte é um fator que demonstra a intrínseca igualdade de todos os seres humanos, uma das provas de que, para Deus, não há acepção de pessoas. Como diz o escritor aos Hebreus, "…aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo."(Hb.9:27). Se os seres humanos apercebessem dessa realidade, certamente que suas condutas seriam bem diferentes com relação a Deus e à eternidade.
Diante da morte, tanto um príncipe como um natimorto são iguais, diz o patriarca. Jó, no desânimo, não vê outra saída para o término de seu sofrimento senão a morte (Jó 3:20-22). É esta a nítida posição de quem perdeu perspectiva nesta existência. Todavia, ao contrário de muitos que não adoram a Deus, que não estão dispostos a obedecê-lo, que, quando chegam a este ponto, suicidam-se; o patriarca deseja a morte, mas a pede a Quem de direito, ao único e Todo-Poderoso, o Senhor exclusivo da vida humana. Esta é mais uma expressão que revela que o verdadeiro e sincero servo de Deus, mesmo queixoso, prima pela excelência da vida.
2. Livre de tribulações (Jó 3:16-19)
“ou, como aborto oculto, não existiria; como as crianças que nunca viram a luz. Ali, os maus cessam de perturbar; e, ali, repousam os cansados. Ali, os presos juntamente repousam e não ouvem a voz do exator. Ali, está o pequeno e o grande, e o servo fica livre de seu senhor”.
Nestes termos, Jó continuava com seu lamento da “não-existência”, à medida que o seu sofrimento ganha intensidade. Ele estava cônscio de que se não tivesse se tornado um “ser”, nada disso estaria acontecendo com ele.
Veja a intensidade do seu lamento, no verso 16: “ou, como aborto oculto, não existiria; como as crianças que nunca viram a luz”. Aqui, Jó desejava ter nascido morto (aborto espontâneo), um feto que nunca viu a luz. “Aborto oculto“ tem o mesmo sentido de “aborto espontâneo”, e é assim traduzido em Eclesiastes 6:3 e em Salmos 58:8. É bom enfatizar que em nenhum momento Jó faz uma apologia ao aborto criminoso, mas usa-o no sentido metafórico de “descanso do sofrimento”. No lugar de ter sido abortado, ele nasceu e foi lançado no mundo da tribulação. O raciocino é simples: “Para os que morreram cessaram as angústias e tribulações da vida presente”.
Em sua intensa tribulação, Jó pode apenas esperar pelo alívio que a morte poderia lhe trazer. Mesmo com expressões tão fortes como estas desejando a sua morte, Jó nunca fez apologia ao suicídio nem ao feticídio nem ao infanticídio. Deus é o Doador e o Sustentador da vida, e o homem é impotente para agir contra a providência divina nessa questão.
3. Uma realidade para o cristão
O cristão deve estar consciente de que a fidelidade a Deus não é garantia de que ele não passará por aflições, dores e sofrimentos nesta vida (Fp.4:11,12). Como diz o Rev. Hernandes Dias Lopes, “a vida cristã não é um parque de diversões nem uma colônia de férias. Não vivemos numa redoma de vidro nem numa estufa espiritual. Ao contrário, vivemos num campo minado pelo inimigo, uma arena de lutas renhidas, de combates sem trégua e sem acordo de paz. Nesta guerra, existem só duas categorias: aqueles que estão alistados no exército de Deus e aqueles que pertencem ao exército de Satanás”. A guerra contra o nosso arqui-inimigo perdurará até a derrota final dele, quando o Senhor Jesus, o nosso glorioso general, esmagará Satanás debaixo de nossos pés (Rm.16:20). Uma coisa é certa, o nosso General, Jesus Cristo, está à frente desta batalha, e com suas mãos estendidas possibilita que os seus corajosos soldados prevaleçam sobre o inimigo.
III. TERCEIRO LAMENTO DE JÓ: POR QUE CONTINUO VIVO? (Jó 3:20-26)
20.Por que se dá luz ao miserável, e vida aos amargurados de ânimo,
21.que esperam a morte, e ela não vem; e cavam em procura dela mais do que de tesouros ocultos;
22.que de alegria saltam, e exultam, achando a sepultura?
23.Por que se dá luz ao homem, cujo caminho é oculto, e a quem Deus o encobriu?
24.Porque antes do meu pão vem o meu suspiro; e os meus gemidos se derramam como água.
25.Porque o que eu temia me veio, e o que receava me aconteceu.
26.Nunca estive descansado, nem sosseguei, nem repousei, mas veio sobre mim a perturbação.
Em seu terceiro lamento, Jó questionou por que se concede “luz” àqueles que vivem na miséria (como ele) e procura a morte como quem procura tesouros ocultos. O desejo de morrer ainda continuava vivo na mente de Jó. Ele queria que Deus lhe tirasse a vida e aliviasse o seu sofrimento.
Desejar a morte como solução para os problemas que surgem na nossa vida é, simultaneamente, colocar em xeque a própria ordem divina sobre todas as coisas. Pedir a Deus a morte é o mesmo que dizer que Deus agiu sem motivo e sem razão ao nos dar a vida; é algo que não faz sentido na mente de alguém que considera a Deus como o Senhor de todo o universo.
Devemos entender que a realidade da morte e da pequena duração de nossa vida é um fator importante para que sejamos fiéis servos do Senhor, sabendo que a vida neste mundo é uma ilusão e que está reservada a morte e uma dimensão eterna aos homens. Esta realidade faz que sejamos humildes e, assim, aceitemos o senhorio de Deus sobre nossa vida. Esta compreensão da morte faz-nos vigorosos e ativos na obediência ao Senhor, uma reação totalmente contrária ao pessimismo, que gera uma paralisia no ser humano, uma inércia que, em tudo, não convém ao servo do Senhor. Não é por outro motivo que Jesus recomenda-nos a termos "bom ânimo" (João 16:33), pois, sem ânimo, não poderemos vencer o mal. O desânimo é uma grande cilada do adversário, pois, se pararmos na vida espiritual, certamente retrocederemos e, talvez, se não vigiarmos, podemos até perder a salvação.
1. Vale a pena viver?
Em Jó 3:20, o patriarca faz a seguinte indagação: “Por que se dá luz ao miserável, e vida aos amargurados de ânimo?”. Miserável, aqui, é usado no sentido de alguém cuja vida é atribulada pela miséria e que, por isso, torna-se incapaz de exercer suas funções. Para Jó, a vida havia se tornado intolerável; logo, não valia a pena viver.
Numa situação, qual a de Jó, vale a pena viver? Depende como a pessoa vive e para que vive. Veja a situação do apóstolo Paulo, que sofreu as piores agruras, sofrimentos, dores e perdas por causa do Evangelho. Apesar de tudo, ele disse: “...com toda a confiança, Cristo será, tanto agora como sempre, engrandecido no meu corpo, seja pela vida, seja pela morte. Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho” (Fp.1:20,21)
A pessoa deve estar consciente de que a vida não é dada meramente para a felicidade e satisfação pessoal, mas para que possamos servir e honrar a Deus. O valor e o significado da vida não se baseiam no que sentimos, mas naquilo que ninguém pode tomar, a saber, o amor de Deus por nós. Não pense que, porque Deus realmente nos ama, Ele sempre impedirá que não soframos; o oposto pode acontecer. O amor de Deus não pode ser medido ou limitado pela intensidade de nosso sofrimento. Romanos 8:38,39 ensina-nos que nada pode nos separar do amor de Deus.
2. Sem o favor de Deus?
Em seus contínuos queixumes, novamente, Jó volta a indagar:
"Por que se dá a luz ao homem, cujo caminho é oculto, e a quem Deus o encobriu ?" (Jó 3:23).
"Por que antes do meu pão vem o meu suspiro, e os meus gemidos se derramam, como água ?" (Jó 3:24).
Em sua queixa, Jó não entendia porque Deus ocultara todo o seu sofrimento e para que estava sofrendo tanto. Ter servido a Deus fielmente havia-lhe levado a este estado miserável. Por que, então, Deus o tinha feito existir? Por que Deus havia decidido ter um servo chamado Jó? É este o questionamento do patriarca que se achava no direito de ter acesso a todos os segredos e propósitos de Deus.
Em sua miséria, Jó esperava a morte, que seria como tesouro oculto a ser procurado ou algo de que ele poderia se alegrar sobremaneira (Jó 3:21,22). Mas, mesmo isso foi negado a Jó. A miséria de Jó se tornou tão desmedida que seus gemidos (expressões de agonia) “se derramavam como água” (Jó 3:24) em uma corrente vasta e ininterrupta. A sua vida tornou-se tão difícil que tudo que ele precisava fazer era temer por mais agonia, e isso, de fato, aconteceu (Jó 3:25). O sofrimento de Jó não tinha fim; a perturbação veio sobre ele continuamente (Jó 3:26). Ele não teve qualquer oportunidade para experimentar descanso, sossego ou repouso.
Apesar da terrível miséria sobre a sua vida, o seu questionamento era-lhe absolutamente impertinente, como Deus haveria de comprovar quando tivesse cumprido totalmente o Seu propósito na vida desse patriarca. Apesar de sincero, reto, temente a Deus e de se desviar do mal, apesar de ser o homem mais excelente da Terra em seu tempo (e de todos os tempos, um dos mais excelentes, como se verifica de Ez.14:14), Jó continuava sendo um simples homem, era apenas servo.
Será que o(a) irmão(ã) também tem recheado a sua vida de porquês? Será que suas indagações têm sido tais que não há quem possa lhe consolar ou lhe trazer palavras do Senhor? Veja o exemplo do patriarca em comento, cuja estatura espiritual é bem maior que a nossa, e não obteve a resposta tão almejada; os céus ficaram em profundo silêncio; antes, porém, foi conduzido ao redemoinho, para ali entender que não se deve saber o porquê, mas tão somente adorar e obedecer ao Senhor.
3. Nem sempre Deus explica as razões pelas quais sofremos
Jó levanta aos céus dezesseis vezes a mesma pergunta: Por quê? Por quê? Por quê? - Por que eu perdi os meus filhos? Por que a minha dor não cessa? Por que eu não morri no ventre de minha mãe? Por que eu não morri ao nascer? Por que os seios da minha mãe não estavam murchos de leite para eu morrer de fome? Por que o Senhor não me mata de uma vez?
Diante desse bombardeio de Jó, os céus ficaram em silêncio. Deus não deu sequer uma resposta aos seus questionamentos. Nenhuma palavra em resposta ao seu interrogatório. Conforme afirma o rev. Hernandes Dias Lopes, mesmo diante da avassaladora tempestade que se abateu impiedosamente sobre ele, não houve sequer uma explicação; Deus ficou em total silêncio; os céus tornaram-se de bronze. A única voz que Jó ouvia era o barulho da dor gritando em seus ouvidos, pulsando em sua alma, latejando em seu corpo.
O silêncio de Deus grita mais alto em nossos ouvidos do que o barulho mais ruidoso das circunstâncias mais adversas. Mais difícil do que sofrer é sofrer sem compreender por que sofremos. Mais difícil do que lidar com a dor é passar pelo vale do sofrimento sem saber por que estamos sendo provados. Que providência carrancuda é o silêncio de Deus! Terrível dor das dores é quando os céus silenciam diante dos nossos queixumes! Mistério insondável é quando nossas perguntas ficam sem resposta e quando nossa dor fica sem alívio!
Além de sua dor atroz, Jó precisou lidar ainda com o silêncio de Deus; e, pasmem, nós também passaremos por isso ao longo de nossa vida. Talvez alguns de nós estejamos passando por terríveis dramas neste momento. Talvez alguém esteja passando pelo vale da sombra da morte. Talvez alguns de nós estejamos enfrentando dramas pessoais e familiares. Talvez alguns de nós estejamos passando por perdas financeiras. Muitos, talvez, têm chorado a dor do luto (como eu chorei no mês de julho de 2020 pela morte do meu pai). Nesse torvelinho de dor, nessa tempestade de provas, alçamos aos céus a nossa voz, mas nenhuma resposta chega, nenhuma explicação atenua a nossa angústia. Os céus continuam em silêncio apesar de nosso grito por socorro.
Como bem diz Hernandes Dias Lopes, nem sempre temos uma clara percepção dos propósitos divinos. Nem sempre a voz de Deus vem ao nosso encontro para nos consolar. Nem sempre temos uma luz no fim do túnel para nos dar uma direção. Há dias em que Deus se cala. Há momentos em que os céus parecem estar fechados e as nuvens parecem ser de bronze.
Jó não apenas fez perguntas, mas também fez queixas. Ele levantou aos céus 34 vezes as suas queixas. Pensou que Deus estava cravando nele suas setas. Pensou que a mão de Deus estava esmagando sua vida. É claro que Jó não conhecia todas as implicações de sua saga, não sabia todos os detalhes daquela acesa batalha espiritual.
O apóstolo Paulo disse que a nossa luta não é contra carne e sangue, mas contra principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso e forças espirituais do mal (Ef.6:10-13). Esses inimigos são perigosos, violentos e malignos. Eles não descansam nem tiram férias. Estão sempre buscando uma oportunidade para nos atacar e nos ferir. Aqueles, porém, que foram arrancados da potestade de Satanás, resgatados da casa do valente e trasladados do império das trevas para o reino da luz estão assentados com Cristo nas regiões celestes, escondidos nEle, protegidos por Ele, cobertos com toda a armadura de Deus, seguros nas mãos de Cristo. Isso não significa, porém, ausência de luta. Enquanto estivermos neste mundo, viveremos num campo minado, num território encharcado de profundas tensões espirituais. Por isso, Jó, mesmo sendo um homem piedoso e o mais devoto de sua geração, não ficou imune a essa batalha.
Diante de tudo isto que vimos aqui, é preciso caminhar com equilíbrio o caminho da sabedoria e maturidade, olhando para o alto onde Cristo vive (Cl.3:1-4), e de onde vem o nosso socorro na hora da angústia. É somente nEle que podemos mantermos equilibrados e confiantes durante as tempestades e as vicissitudes da vida.
CONCLUSÃO
Satanás causou todo esse sofrimento terrível em Jó; o seu propósito era macular o caráter santo de Deus e destruir a reputação de Jó. O que, porém, ele conseguiu? Apenas colocar Jó mais perto de Deus e fazer dele um homem mais quebrantado e fiel. Na verdade, nenhum dos planos de Deus pode ser frustrado. Vale destacar, porém, que Satanás e suas hostes não podem agir à revelia de Deus. Não podem atuar sem a permissão divina. O diabo é um ser limitado quanto ao tempo, ao poder e à área de atuação. Ele só pode ir até onde Deus lhe permite ir; só pode fazer o que Deus permite que ele faça. Até Satanás está a serviço de Deus!