“Olhai, pois, por vós e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue” (Atos 20:28).
Atos 20:
17. De Mileto, mandou a Éfeso chamar os anciãos da igreja.
18. E, logo que chegaram junto dele, disse-lhes: Vós bem sabeis, desde o primeiro dia em que entrei na Ásia, como em todo esse tempo me portei no meio de vós,
19. servindo ao Senhor com toda a humildade e com muitas lágrimas e tentações que, pelas ciladas dos judeus, me sobrevieram;
20. como nada, que útil seja, deixei de vos anunciar e ensinar publicamente e pelas casas,
21.testificando, tanto aos judeus como aos gregos, a conversão a Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo.
22.E, agora, eis que, ligado eu pelo espírito, vou para Jerusalém, não sabendo o que lá me há de acontecer,
23.senão o que o Espírito Santo, de cidade em cidade, me revela, dizendo que me esperam prisões e tribulações.
24.Mas em nada tenho a minha vida por preciosa, contanto que cumpra com alegria a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus.
25.E, agora, na verdade, sei que todos vós, por quem passei pregando o Reino de Deus, não vereis mais o meu rosto.
26.Portanto, no dia de hoje, vos protesto que estou limpo do sangue de todos;
27.porque nunca deixei de vos anunciar todo o conselho de Deus.
28.Olhai, pois, por vós e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue.
29.Porque eu sei isto: que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não perdoarão o rebanho.
30.E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si.
31.Portanto, vigiai, lembrando-vos de que, durante três anos, não cessei, noite e dia, de admoestar, com lágrimas, a cada um de vós.
32.Agora, pois, irmãos, encomendo-vos a Deus e à palavra da sua graça; a ele, que é poderoso para vos edificar e dar herança entre todos os santificados.
33.De ninguém cobicei a prata, nem o ouro, nem a veste.
34.Vós mesmos sabeis que, para o que me era necessário, a mim e aos que estão comigo, estas mãos me serviram.
INTRODUÇÃO
Nesta Aula trataremos de um dos maiores legados do apóstolo Paulo: sua dedicação em formar novos obreiros para a Igreja. Ele tinha consciência da efemeridade de sua vida, mas a Igreja continuaria. Ele tinha certeza de que a Obra para a qual ele tinha sido vocacionado não terminaria nele, mas continuaria até a volta de Cristo. É importante conscientizar-se de que a Obra de Deus é muito maior do que os interesses humanos. Somos apenas despenseiros da Obra de Deus; não somos empregados de nenhum líder de Igreja. Somos, com certeza, administradores do rebanho do Senhor. Foi Jesus quem disse a Pedro: “apascenta as Minhas ovelhas” (João 21:16). Então, como despenseiros da Obra de Jesus e sabendo que a Obra não pode parar, então, faz-se necessário cuidar para que não falte obreiro de valor, que dê continuidade, com responsabilidade e integridade, o trabalho da evangelização, do discipulado e de liderança da Igreja do Senhor. O Senhor requer que as lideranças mais experientes cuidem das mais novas, pois, “grande é, em verdade, a seara, mas os obreiros são poucos; rogai, pois, ao Senhor da seara que envie obreiros para a sua seara” (Lc.10:2). O apóstolo Paulo deixou os pré-requisitos necessários para se estabelecer obreiros que darão sequência a obra do Senhor (ler 1Tm.3:1-13; Tt.1:4-9). Fugir desse roteiro pode resultar em graves prejuízos ao corpo eclesiástico e, consequentemente, à Igreja Local.
I. ÉFESO, O PONTO DE APRENDIZADO DOS VOCACIONADOS
1. O ponto de partida
Certamente, Éfeso foi o ponto de partida para o despertamento de novos vocacionados. A Igreja de Éfeso tornou-se a mais importante a partir da terceira viagem missionaria de Paulo. Dali saíram os obreiros para plantar as igrejas da Ásia Menor. Por essa Igreja passaram Priscila e Áquila. Nessa Igreja ministrou Apolo. A essa Igreja Paulo enviou Timóteo. Dali, Paulo escreveu suas duas Epístolas aos Coríntios; também escreveu suas duas Epístolas a Timóteo quando este era pastor da Igreja de Éfeso.
Em Éfeso, num edifício escolar, do qual um homem por nome Tirano era proprietário, Paulo ministrou suas aulas. Paulo fez dessa escola seu quartel-general para ensinar a Palavra de Deus, diariamente – das 11 horas até às 16 horas -, durante dois anos, e para treinar futuros líderes no afã de desenvolver a Igreja na província da Ásia (Atos 19:9,10). Nessa escola, Paulo formou vários evangelistas que saíram pela Ásia Menor, levando a Palavra de Deus e plantando igrejas. John Stott diz que as preleções diárias de Paulo resultaram na evangelização de toda a província (Atos 19:10,20). Obviamente, Paulo não ficou todo esse tempo restrito à cidade de Éfeso. Ele percorreu quase toda a Ásia Menor, conforme o relato de seus próprios opositores: “e bem vedes e ouvis que não só em Éfeso, mas até quase em toda a Ásia, este Paulo tem convencido e afastado uma grande multidão, dizendo que não são deuses os que se fazem com as mãos” (Atos 19:26).
O Evangelho foi pregado em toda a Ásia Menor porque Paulo teve a sabedoria e o cuidado de preparar líderes para que isso acontecesse. Concordo com o pr. Elienai Cabral quando afirma que, “sem uma boa preparação de obreiros e líderes, a obra de Deus não pode ser feita com eficácia; é preciso cuidar das novas vocações”.
2. Paulo e o despertamento de novas vocações
A visão missionária de Paulo era amplíssima; ele almejava alcançar todo um continente – a Ásia Menor –, e ir muito além dessa fronteira (Rm.15:28). Mas, para que o seu objetivo tornasse realidade, era necessária parceria, isto é, mais obreiros destemidos e preparados para tão desafiadora missão. Por isso, ele arregimentou e investiu em pessoas que o auxiliassem a levar o Evangelho aos diversos lugares da Ásia e da Europa. Citamos alguns nomes como, por exemplo, Trófimo (Atos 20:4), Tíquico (Ef.6:21,22; Cl.4:7; 2Tm.4:12; Tt.3:12), Tito, Aristarco (Cl.4:10), Epafrodito (Fp.2:25), Filemom, Gaio e tantos outros. Todos esses obreiros e vários outros (Atos 20:17,20,31) foram preparados pelo apóstolo Paulo. Ele vazia tudo isto não visando poder ministerial ou lucro fácil, não (Atos 20:33); ele agia dessa forma porque pesava sobre ele a responsabilidade que lhe fora dada por Jesus Cristo – “Mas em nada tenho a minha vida por preciosa, contanto que cumpra com alegria a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus (Atos 20:24).
3. Paulo, um mestre inspirado
A inspiração das preleções de Paulo - quer no ensino, quer nas pregações - é inegável. Ele ensinou sistematicamente a Bíblia Sagrada em toda a sua completude. Ele não se aproximava das Escrituras com seletividade, pois toda a Escritura é inspirada por Deus e útil ao ensino e a correção. Ele não ensinava as suas ideias, mas a Palavra de Deus. Ele não entregava a sua mensagem, mas a de Deus. Deus não tem nenhum compromisso com a palavra do pregador, mas apenas com a Sua Palavra. Paulo ensinava com fidelidade a Palavra de Deus (Atos 20:20). Ele não apenas gerava filhos espirituais mediante a pregação, mas também os nutria com o “alimento” que desceu do Céu.
O líder da Igreja é um mestre, e a ele cabe o privilégio de ensinar as verdades benditas do evangelho ao povo de Deus. O líder espiritual tem alegria de ensinar tanto a multidões como a pequenos grupos (Atos 20:20). Paulo ensinava de casa em casa e também publicamente; para ele, o importante era não seguir um cronograma fixo de reuniões, mas aproveitar todas as oportunidades de estimular o crescimento dos cristãos.
Há obreiros que só pregam para grandes auditórios, sentem-se importantes demais para pregar ou ensinar numa pequena congregação ou numa reunião de grupo familiar. Esses indivíduos pensam que são mais importantes do que o apóstolo Paulo, que pregava de casa em casa. Jesus pregou seus mais esplêndidos sermões para uma única pessoa: a mulher samaritana. Concordo com o pr. Hernandes Dias Lopes quando afirma que “quem não se dispõe a pregar para um pequeno grupo não está credenciado a pregar para um grande auditório. Nossa motivação não deve estar nas pessoas, mas em Deus”.
Paulo não somente cuidava de ensinar, discipular os cristãos, mas também cuidava para que houvesse sempre obreiros instruídos na Palavra. Ao perceber que havia uma pessoa vocacionada ao ministério pastoral ou para missões transculturais, ele se dedicava em prepará-lo. E para que suas instruções se perpetuassem, não ficassem sem registro, ele escreveu três epistolas pastorais, inspiradas pelo Espírito Santo; são elas: 1 e 2 Timóteo, e Tito. Estas Epístolas pastorais são orientações práticas direcionadas aos líderes do povo de Deus, ensinando-lhes a maneira certa de agirem à frente da Igreja de Deus. São importantes revelações sobre o sistema da Igreja Local; o ministério das mulheres e os cargos da Igreja são encontradas nessas epístolas pastorais, principalmente na epístola de 1 Timóteo. Paulo, modelo por excelência, descreve de forma clara como o homem de Deus deve viver. Portanto, a constituição e a preparação de novos líderes era um cuidado constante de Paulo, e esse cuidado deve ser também dos líderes atuais, pois a estabilidade ministerial da Igreja Local depende disso.
II. O LEGADO DOUTRINÁRIO DE PAULO PARA OS NOVOS LÍDERES
1. A advertência de Paulo a respeito dos judaizantes e dos gnósticos
a) Quem eram os judaizantes?
Eram os líderes que exigiam dos crentes convertidos a Cristo a observação dos rituais judaicos, considerados nulos pelo Novo Testamento (Hb.8:13; 9:15-17; cf. Mt.9.16,17). Infelizmente, no princípio da Igreja, surgiram aqueles que não foram suficientemente cautelosos e cuidadosos, deixando-se levar pelo “fermento dos fariseus”, apesar das advertências do Senhor no Seu ministério terreno (Mt.15:10-20; 16:1-12; Mc.8:15-21), passando a querer exigir a observância da lei de Moisés como um requisito para a salvação (cf. At.15:1). Surgia, então, a “doutrina judaizante”, que punha a observância dos ditames da lei mosaica como um elemento necessário para a salvação.
A “doutrina judaizante” manifestou-se sutilmente na Igreja na forma de um exclusivismo de pregação aos judeus. Os primeiros crentes deixaram-se levar pela cultura judaica e se comportaram como uma mera “seita judaica”, a ninguém pregando o Evangelho senão aos judeus (cf. At.11:19), não atentando para as palavras de Jesus pouco antes de Sua ascensão, segundo a qual teriam de pregar o Evangelho a toda criatura (Mt.28:19; Mc.16:15; At.1:8).
Este comportamento dos primeiros crentes foi desaprovado pelo Senhor, tanto que foi permitido uma dura e cruel perseguição aos crentes para que saíssem de Jerusalém, a fim de propagar o evangelho (cf. At.8:1); mas, ainda assim, mesmo dispersos pelo mundo, os crentes mantiveram uma postura cultural de não pregar senão somente aos judeus (cf. At.11:19), o que somente foi rompido por alguns servos do Senhor de Chipre e de Cirene (região que hoje corresponde ao norte da Líbia), que foram os primeiros a pregar o Evangelho aos gentios, em Antioquia, então capital da província romana da Síria.
Esta resistência cultural é bem demonstrada no livro de Atos, no episódio que nos dá conta da pregação do Evangelho a Cornélio e aos seus familiares (Atos 10 e 11), resistência não só do apóstolo Pedro, mas da Igreja em Jerusalém, que foi sempre um dos redutos dos judaizantes.
Com o início da pregação aos gentios, em Antioquia, estes setores judaizantes de Jerusalém, agindo por conta própria e sem a autorização do seu pastor, Tiago, o irmão do Senhor (cf. At.15:24), passaram a ir até o encontro das igrejas gentílicas que se formavam, defendendo a necessidade da prática da lei para que houvesse a salvação, tendo, neste particular, tido a oposição de Barnabé e de Paulo, os grandes evangelistas entre os gentios. Paulo, aliás, em quase todas as suas cartas, toca no tema, sendo certo que a Epístola aos gálatas é inteiramente dedicada a este assunto.
Essa exigência dos judaizantes causou um tumulto tão grande que foi preciso reunir os apóstolos e os anciãos da Igreja em Jerusalém e, sob a orientação do Espírito Santo, decidir a respeito, tendo, então, ficado patente que a observância da lei não era exigível aos gentios, porque não havia qualquer papel a ser exercido pela lei na salvação do homem. Nessa reunião da Igreja, que não foi decisão humana, mas decisão dirigida pelo Espírito Santo (At.15:28), estabeleceu-se, para que não houvesse mais dúvidas, que os gentios deveriam, tão somente, abster das coisas sacrificadas aos ídolos, do sangue, da carne sufocada e da fornicação (At.15:29), não se devendo, pois, cumprir a lei judaica, nem mesmo a guarda do sábado.
Por que o Espírito Santo assim decidiu, usando dos apóstolos e anciãos da Igreja primitiva no concílio de Jerusalém? Porque o Espírito Santo sabia que ao longo da história da Igreja, os crentes seriam perturbados de novo pela “doutrina judaizante”, doutrina esta que dentro da sua sutileza, também tem como objetivo menosprezar o sacrifício vicário de Cristo na cruz do Calvário.
Na medida em que exigimos a observância da lei para a salvação do homem, estamos a dizer que o sacrifício de Jesus é insuficiente para que o homem seja salvo, que o homem somente será salvo se fizer as obras da lei, o que equivale a dizer que Jesus não é o Salvador. Entretanto, a Bíblia é claríssima ao mostrar que as obras da lei são incapazes de salvar o homem e que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei (Rm.3:28). A defesa da guarda da lei é, pois, uma demonstração de incredulidade no poder do sacrifício de Cristo em apagar o pecado, e tudo que não é por fé, é pecado (cf. Rm.14:23).
Quem escolher a lei como requisito para a sua salvação, assinará a sua própria sentença de morte espiritual, pois “todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque escrito está: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las” (Gl.3:10). Por isso, o que a Bíblia nos ensina é que todo aquele que escolher a lei como veículo de salvação, estará irremediavelmente perdido, pois escolheu para si próprio a maldição.
O tempo da graça e da verdade (João 1:17) explica porque não devemos mais seguir a lei - porque ela é um pacto firmado com Israel, e que foi substituído pelo um novo pacto estabelecido por Jesus por meio do seu “sangue derramado em favor” de nós (Lc.22:20; cf.Hb.8:13). Mas, infelizmente, em meio à Cristandade, os argumentos dos judaizantes encontraram eco, sendo a razão de ser de várias práticas que hoje se infiltraram em diversos segmentos ditos cristãos, notadamente a adoção de rituais e cerimônias do antigo pacto, sem se falar na própria doutrina da transubstanciação, segundo a qual, o pão e o vinho da ceia se tornam o corpo e sangue de Cristo, fazendo com que cada culto se torne um sacrifício do Senhor.
Várias práticas cerimoniais do tempo da lei foram e têm sido adotadas e acrescentadas por estes segmentos que, assim, homenageiam os judaizantes dos tempos apostólicos, causando evidente inobservância da Palavra de Deus. Eis os seus principais ensinos:
ü A guarda do sábado. Certos "mestres" ensinam que os cristãos devem guardar o sábado. Essa prática é uma forma de retorno ao judaísmo. A guarda do sábado é um "concerto perpétuo" somente para Israel (Êx.31.14-17; Lv.23.31,32; Ez.20.12,13,20). Lembremos que Paulo exortou os crentes da Galácia sobre o perigo das práticas judaizantes na Igreja (Gl.1.6-9; 3.1-3).
O sábado era um sinal para Israel para que este se lembrasse que tinha por Deus o Criador de todas as coisas; que o Senhor era o seu soberano e libertador; que Israel era uma nação sacerdotal e povo santo, como havia escolhido ser no pacto estabelecido no Sinai. Era a marca distintiva entre Israel e as demais nações.
A Igreja não precisa do sábado, pois suas marcas são outras, são “as marcas do Senhor Jesus Cristo” (Gl.6:17), marcas que levamos em nossos corpos, que são o fruto do Espírito Santo (Mt.5:16; 7:15-23; Gl.5:22). Como estamos em paz com Deus, pela justificação pela fé em Cristo (Rm.5:1), vivemos em um descanso ininterrupto, decorrente do fato de termos nos arrependidos de nossos pecados e não endurecido os nossos corações (cf. Hb.4:1-11). O sábado é, portanto, figura do descanso que goza aquele que está em comunhão com Deus e, por isso, nos lugares celestiais com Cristo (Ef.1:3).
ü O ritual da circuncisão. A circuncisão é o ato pelo qual alguém do sexo masculino assumia a identidade judaica. A circuncisão, estabelecida antes mesmo da lei de Moisés, pois foi o sinal estabelecido no pacto entre Deus e Abrão (Gn.17:9-14), era o ato de inserção no povo de Deus, daí porque os judeus se vangloriarem em se denominar “descendência de Abraão” (cf. Jo.8:33). No entanto, tal exigência, que foi a principal motivação para a convocação do Concílio de Jerusalém, era descabida, porquanto a filiação de Abraão, como o disse o próprio Jesus, não é uma filiação baseada num ritual externo, como a circuncisão, mas uma filiação decorrente da fé em Jesus, tanto que a justificação de Abraão se deu não pela circuncisão, mas quando creu em Deus, crença esta que se deu antes de ele se circuncidar (cf. Rm.4:10).
Na verdade, a circuncisão estabelecida por Deus a Abraão tinha um papel restrito a Israel, e era, na verdade, figura, símbolo de uma realidade espiritual que se revelou plenamente com Cristo Jesus. Assim, a circuncisão simboliza a conversão do homem, o arrependimento pela fé em Cristo, que faz com que o homem nasça de novo e passe a pertencer ao povo de Deus, a Igreja.
Em Atos dos Apóstolos, lemos que os cristãos judeus tentaram coagir os cristãos gentios a circuncidarem-se, conforme a lei de Moisés. Segundo diziam, a salvação dependia, exclusivamente, desse ato litúrgico (Atos 15:1). Condicionavam a salvação em Cristo à observação dos rituais mosaicos, considerados nulos pelo Novo Testamento (Hb.8.13; 9:15-17; cf. Mt.9:16,17).
Na Nova Aliança, não há nenhuma necessidade de os crentes circuncidarem-se para serem salvos. A salvação é dada aos homens gratuitamente, por meio da fé na graça redentora de Jesus Cristo. Vejamos o que a Bíblia ensina sobre a circuncisão:
“Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas é judeu aquele que o é interiormente, e circuncisão é a do coração, no espírito, e não na letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus” (Rm.2:28,29).
“Foi chamado alguém, estando circuncidado? Permaneça assim. Foi alguém chamado na incircuncisão? Não se circuncide. A circuncisão nada é, e também a incircuncisão nada é, mas sim a observância dos mandamentos de Deus” (1Co.7:18,19);
“Porque em Cristo Jesus nem a circuncisão nem a incircuncisão vale coisa alguma; mas sim a fé que opera pelo amor. Pois nem a circuncisão nem a incircuncisão é coisa alguma, mas sim o ser uma nova criatura” (Gl.5:6; 6:15).
ü Festas de Israel. Outra prática que os judaizantes dos tempos apostólicos queriam impor aos gentios que se convertiam ao cristianismo era a guarda das festividades judaicas (cf. Gl.4:10; Cl.2:16). Aqui, também, vemos que essa guarda estava vinculada exclusivamente a Israel. A lei de Moisés prescrevia quatro festividades, a saber: a Páscoa, o Pentecostes, a Festa dos Tabernáculos e o Dia da Expiação. Ao longo da história de Israel, outras festas foram acrescentadas, como o Purim e a Festa da Dedicação (Chanucá, vide João 10:22), bem como os dias de jejuns rituais; estas festividades, porém, sempre foram consideradas menores, já que não estão presentes na lei mosaica.
De qualquer maneira, com a vinda de Cristo, todas estas festividades, que apontavam para realidades espirituais mais profundas (cf. Cl.2:17), não mais precisam ser comemoradas, com exceção da Ceia do Senhor, que substituiu a Páscoa como celebração comemorativa da morte e ressurreição de Cristo Jesus e anunciadora da Sua volta. Portanto, a Ceia do Senhor é a festa genuinamente cristã, e que comemora o Novo Pacto inaugurado com o sangue de Jesus (1Co.11:20,25; Atos 2:42). Cristo é a nossa Páscoa (1Co.5:7).
b) Quem eram os gnósticos?
Eram falsos mestres que negavam a divindade de Cristo e que Ele veio em carne; ou seja, esses falsos profetas alegavam que Jesus não havia encarnado, mas que um espírito se apossara do corpo do Senhor por ocasião do seu nascimento ou batismo, retirando-se por ocasião da crucificação.
O apóstolo João cuidou bem de refutar esse ensino falso, que pertinaz procurava destruir a fé dos primeiros irmãos. João chamou esses falsos mestres de “anticristos” - “… muitos se têm feito anticristos…” (1João 2:18). E o pior de tudo é que eles saíram do seio da Igreja – “Saíram de nós, mas não eram de nós; porque, se fossem de nós, ficariam conosco; mas isto é para que se manifestassem que não são todos de nós” (1João 2:19). Estes falsos mestres se haviam infiltrado na comunidade cristã com o fim de mesclar-se entre os irmãos para perverter a doutrina dos apóstolos. Pareciam cristãos, mas não o eram de fato.
“Jesus Cristo veio em carne” (1João 4:2). Esta declaração é de suma importância, pois um mestre que negasse a encarnação deveria ser reconhecido como falso, pois Jesus era um homem real. Essa batalha intelectual travada dentro da Igreja mostra que o inimigo tem interesse em diluir o Evangelho com sutilezas, retirando verdades ou acrescentando erros à mensagem.
Para os gnósticos Jesus existiu, mas não manifesto em carne. Essa pequena distorção era o sinal que mostrava a doutrina de demônios que estava entrando na Igreja. Não havia aqui a negação de sua obra, mas de sua personalidade. Ora, se Jesus não se manifestou em carne, não poderia ter morrido por nossos pecados nem sofrido por nossas transgressões. Essa pequena sutileza fazia uma grande diferença em toda a mensagem.
Disse o apóstolo João: “Todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus” (1João 4:2). O mais importante não é o fato histórico, a saber, de que Jesus nasceu no mundo em um corpo humano, mas, sim, a confissão de que Jesus Cristo veio em carne, a confissão que reconhece Jesus com o Cristo encarnado. Quem o confessa também se prostra diante dele como Senhor de sua vida. Quando ouvimos alguém apresentar o Senhor como verdadeiro Cristo de Deus, percebemos que essa pessoa está falando pelo Espírito de Deus. O Espírito de Deus leva as pessoas a reconhecer Jesus Cristo como o Senhor e sujeitar a vida a Ele.
Hoje, encontramos muitas pessoas dispostas a dizer coisas aceitáveis acerca de Jesus, mas não a confessá-lo como Deus encarnado. Dizem que Cristo é “divino”, mas não que é Deus. Menosprezam a glória de Cristo. São, portanto, falsos profetas, falsos mestres. Só existe uma maneira de se combater esses falsos profetas: confrontá-los com a Palavra de Deus.
2. O compromisso de Paulo com o Senhor (Atos 20:19)
O apóstolo Paulo tinha um compromisso inabalável com a Obra para o qual foi vocacionado. Todavia, o primeiro compromisso desse apóstolo era com o Deus da Obra. Ele era cônscio de que o relacionamento com Deus precede o trabalho para Deus. A primeira vocação do crente é para andar com Deus e, como resultado dessa caminhada, fazer a Obra de Deus. Em Atos 20:19 Paulo testemunha como serviu a Deus com humildade e lágrimas por causa das ciladas dos judeus. Três fatos devem ser aqui destacados (adaptado do livro Atos, de Hernandes Dias Lopes):
a) O líder está a serviço de Deus, e não dos homens. O líder serve a Deus, ministrando aos homens. Quem serve a Deus não busca projeção pessoal. Quem serve a Deus não anda atrás de aplausos e condecorações. Quem serve a Deus não depende de elogios nem desanima com as críticas. Quem serve a Deus não teme ameaças nem se intimida diante de perseguições.
O homem de Deus que tem compromisso com o Senhor não vende sua consciência, não mercadeja seu ministério nem compactua com esquemas mundanos ou eclesiásticos para auferir vantagens imediatas. Judas vendeu Jesus por dinheiro. Demas ficou obcecado pelos holofotes do mundo e abandonou as fileiras daqueles que andavam em santidade. Muitos obreiros, de igual forma, são atraídos pela sedução do poder, do dinheiro e do prazer, e perdem a honra, a família e o ministério. O obreiro precisa ter claro em seu coração a quem está servindo; ele precisa ter compromisso sério com o Senhor da Obra.
b) O líder deve servir a Deus com senso profundo de humildade. Muitos batem no peito, anunciando arrogantemente que são servos de Deus. Outros, besuntados de orgulho, fazem propaganda de seu próprio trabalho. Outros servem a Deus, mas gostam dos holofotes. Há aqueles que fazem do serviço a Deus um palco onde se apresentam como os atores ilustres sob as luzes da ribalta. Um servo não busca autoglorificação. Fazer a obra de Deus sem humildade é construir um monumento para si mesmo; é levantar outra modalidade da Torre de Babel.
c) O líder não deve esperar facilidades pelo fato de estar servindo a Deus. Quem serve a Deus com humildade e integridade desperta polêmica e muita hostilidade no arraial do inimigo. Paulo servia a Deus com lágrimas. A vida ministerial não lhe foi amena. Em vez de ganhar aplausos do mundo, recebeu ameaças, açoites e prisões. Paulo manteve sua consciência pura diante de Deus e dos homens, mas os judeus tramaram ciladas contra ele. Enfrentou inimigos reais, porém, às vezes, ocultos. Contudo, nunca deixou cair o compromisso que firmara com o Senhor. Nem sempre Deus nos poupa dos problemas; às vezes, ele nos treina nos desertos mais tórridos e nos vales mais profundos e escuros; porém, não foge do compromisso firmado com o Senhor.
III. PAULO APELA AOS LÍDERES
1. Sobre o desprendimento do obreiro para realizar a obra de Deus (Atos 20:24)
“Mas em nada tenho a minha vida por preciosa, contanto que cumpra com alegria a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus” (Atos 20:24).
Estas palavras de Paulo foram direcionadas aos presbíteros de Éfeso (Atos 20:17). Ele afirmou que não considerava a sua vida preciosa para si mesmo desde que cumprisse o seu ministério. Seu maior desejo era agradar e obedecer a Deus. Se, para isso, fosse necessário oferecer sua vida, estava disposto a entregá-la. Tendo em vista aquele que havia morrido por ele, nenhum sacrifício era grande demais. Importava-lhe apenas completar a sua carreira e o ministério que havia recebido do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus. Paulo denota aqui seu total desprendimento para realizar a obra de Deus.
Rev. Hernandes Dias Lopes, analisando este texto, afirma que “o coração de Paulo não estava nas vantagens auferidas do ministério. Ele não atuava no ministério cobiçando prata ou ouro. Não participava de uma corrida desenfreada em busca de prestígio ou fama. Seu propósito não era ser aplaudido ou ganhar prestígio entre os homens. Na verdade, ele estava pronto a trabalhar com as próprias mãos para ser pastor. Estava pronto a sofrer toda sorte de perseguição e privação para pastorear. Estava disposto a ser preso, a sofrer ataques externos e temores internos para pastorear a Igreja de Deus. Estava pronto a dar a própria vida para cumprir cabalmente seu ministério”. Enfim, Paulo estava totalmente desprendido das coisas desta vida para realizar a Obra de Deus.
2. Sobre o cuidado pessoal do obreiro (Atos 20:28)
“Olhai, pois, por vós e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue” (Atos 20:28).
Paulo, aqui, adverte aos líderes que eles devem cuidar de todo o rebanho, sobre o qual o Espírito Santo os havia constituído bispos. A importância desse encargo é ressaltada nas seguintes palavras deste texto: “que ele resgatou com seu próprio sangue”. “Ele”, aqui, é o próprio Senhor Jesus, que derramou o seu sangue para resgatar o perdido da escravidão do pecado. Deus resgatou a Igreja, mas o fez com o sangue de seu Filho, o bendito Senhor Jesus. Se os pastores se lembrarem que o rebanho o qual está cuidando é a própria Igreja de Deus, a qual Ele comprou com o Seu próprio sangue, então, serão mais diligentes em seu ministério.
Gosto da afirmação de Hernandes Dias Lopes quando afirma que “o pastor precisa ter plena consciência de que o Espírito Santo foi quem o constituiu bispo para pastorear a Igreja. Qualquer manobra humana ou política de bastidor para continuar à frente de uma Igreja é uma conspiração contra o plano de Deus. O pastor não pode agir com truculência. Ele não é um ditador, mas um pai. Não é um explorador do rebanho, mas um servo do rebanho. Muitos pastores constrangem as ovelhas e se impõem sobre elas com rigor despótico (1Pd.5:3). Outros orquestram vergonhosamente para permanecer no pastorado, fazendo acordo e conchavos pecaminosos. O pastor não deve aceitar o pastorado de uma Igreja nem sair dela por conveniência, vantagens financeiras ou pressões. Ele precisa saber que, antes de ser pastor do rebanho, é servo de Cristo”; é despenseiro (1Co.4:1,2) - “Que os homens nos considerem como ministros de Cristo e despenseiros dos mistérios de Deus. Além disso, requer-se nos despenseiros que cada um se ache fiel”.
Observe que nesta recomendação de Paulo os pastores efésios deviam primeiramente vigiar a si mesmos, e só depois o rebanho que lhes foi confiado pelo Espírito Santo – “Olhai, pois, por vós...”. Como afirma o John Stott, “os pastores não podem dar um cuidado adequado aos outros se negligenciam o cuidado e a instrução de suas próprias almas”. Se os pastores-líderes não tiverem em comunhão com o Senhor, não poderão serem guias espirituais da Igreja.
3. Sobre a ameaça de “lobos cruéis” no rebanho de Deus (Atos 20:29,30)
“Porque eu sei isto: que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não perdoarão o rebanho. E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si” (Atos 20:29,30).
Outro motivo da recomendação de Paulo aos pastores de Éfeso são os “lobos”; ou seja, Paulo sabia que os falsos mestres entregariam e devastariam o rebanho após a sua partida (Atos 20:29). Alguns deles surgiriam até de dentro da Igreja. Distorcendo a verdade, eles induziriam as pessoas a negá-la para segui-los (Atos 20:30). Assim, os pastores efésios precisavam estar atentos, como Paulo sempre advertia quando estava entre eles (Atos 20:31). Basta ler as duas Epístolas a Timóteo e a Carta a Éfeso em Apocalipse 2:1ss para saber que o fato predito por Paulo realmente aconteceu. Talvez fosse diferente se os pastores tivessem sido mais vigilantes.
O pastor-líder deve ser o guardião e o protetor do rebanho. Como Davi, ele precisa declarar guerra aos ursos e leões, protegendo o rebanho de seus dentes assassinos. Há muitos falsos mestres com suas perniciosas heresias tentando entrar na Igreja. O pastor-líder precisa estar atento. John Stott avisa que, se os líderes cristãos ficam sentados, ociosos, e não fazem nada, ou viram as costas e fogem quando surgem as falsas doutrinas, receberão o terrível título de ‘mercenários’, que não se preocupam com o rebanho de Cristo. Então, também se dirá dos convertidos como se disse a respeito de Israel: ‘Assim se espalharam, por não haver pastor, e se tornaram pasto para todas as feras do campo’ (Ez.34:5).
CONCLUSÃO
Diante do que vimos nesta Aula, não podemos duvidar de que o apóstolo Paulo deixou um legado doutrinário vivo e ecoante à Igreja. “Sua maneira de despertar novas vocações, sua herança doutrinária para a nova geração de trabalhadores e seu apelo aos obreiros para cuidar do rebanho de Deus são marcos importantes para nortear os ministérios dos vocacionados de Deus”. Que se manifestem os novos vocacionados para os diversos ministérios da Igreja, e deixem o Espírito Santo conduzi-los.