- Imediatamente, o Senhor impediu que o homem tivesse acesso à árvore da vida (Gn.3:22-24). Com este gesto, Deus permitiu que o homem pudesse ter uma oportunidade de arrependimento de seus pecados até a morte, o que lhe permitiria obter a salvação e receber a vida eterna.
- Além da morte física, o impedimento de acesso do homem à árvore da vida fez com que o homem passasse a sofrer a corrupção, a degradação do seu corpo físico, por conta do envelhecimento (Ec.12:1-6). Como se não bastasse isso, o corpo passou, também, a sofrer enfermidades e doenças, que muito contribuem, também, para a sua degeneração.
- Como se pode verificar, a morte física é consequência do pecado, não é algo que estivesse previsto na mente humana, de modo que não é assunto com que o ser humano saiba lidar, porque contraria o propósito divino de sua criação.
- Houve mesmo quem entendesse a existência humana como sendo guiada pelo que se denominou de “angústia da morte”, ou seja, o ser humano é o único ser que, de antemão, sabe que vai morrer e que a vida está pautada pela morte.
- Por isso mesmo, a longevidade, ou seja, a vida longa sobre a face da Terra, é algo almejado e desejado pelo homem, pois é como que uma espécie de alívio e de aproximação do propósito divino e não se trata mesmo de algo mal, tanto que se trata de uma promessa divina para os Seus servos.
- Deus promete a longevidade aos filhos que honrarem seus pais, é “o primeiro mandamento com promessa” (Ef.6:2), como também ao que é temente ao Senhor e anda nos Seus caminhos (Sl.128).
- Naturalmente que, como servos do Senhor, não podemos nos apegar às coisas desta vida, nem deixar de ter como alvo a pátria celestial (Cf. Hb.11:13-16), devemos ter a consciência de que estamos aqui apenas de passagem, que somos peregrinos (Sl.119:19; I Pe.1:17), mas desejar vida longa sobre a face da Terra não só não é pecado como é algo que Deus quer nos conceder, até para que amenizemos este drama que é a morte física, algo imprevisto para a nossa mente, que foi moldada dentro da perspectiva de vivermos eternamente com o Senhor.
- Diante desta perspectiva, ante o desejo de longevidade que está presente naturalmente em cada ser humano, sendo, também, algo natural que tenhamos filhos, pois esta é a vontade de Deus para cada um de nós, tanto que nos deu a ordem da procriação (Gn.1:28), exsurge como consequência inevitável que vejamos em nossa descendência a nossa continuidade, como que uma aparência de eternidade, a perpetuidade da espécie, a manutenção de nós, de alguma forma, após a nossa partida desta Terra.
- A nossa descendência apresenta-se, assim, não só como resultado da longevidade, mas um prolongamento desta mesma longevidade, pois, de alguma forma, continuamos na Terra por meio de nossos descendentes. Como diz o escritor aos hebreus, Levi já estava em Abrão quando este deu o dízimo a Melquisedeque (Hb.7:9,10) e em Abrão todas as famílias foram benditas, porque, da sua descendência, veio o Senhor Jesus (Gn.12:3,7; Gl.3:16).
- Por isso mesmo, o que é temente a Deus e anda nos Seus caminhos tem o prazer de ver até a terceira geração, pelo menos (Sl.128:6), podendo assim, contemplar ao menos o início desta continuidade, que é um tanto quanto misteriosa, mas que faz parte do cumprimento do propósito divino para o homem.
- É natural, portanto, que, diante deste quadro, os pais vejam os filhos e seus demais descendentes em geral como uma continuidade, como pessoas que permanecerão na face da Terra quando de nossa morte física, é outra expectativa que é gerada em nossa mente e que se encontra, inclusive, estribada em promessas dadas por Deus a nós.
- Assim, a circunstância de um pai sepultar o seu filho é mais uma situação que não é esperada pela mente humana, porquanto a ordem natural das coisas, ante a ordem de procriação, a longevidade como bênção e a realidade do envelhecimento e da morte física, como consequência do pecado, é que os filhos sepultem os pais e não o contrário.
- Além de o homem não conseguir lidar com a questão da morte física, esta “angústia de quem vive”, visto se tratar de algo para o qual a sua mente não foi preparada quando da criação, ter de enfrentar a realidade de ver um descendente seu, o fruto de sua existência, o resultado do cumprimento de uma ordem divina, aquele que, de certo modo, representará a sua continuidade na face da Terra a despeito do pecado e da morte física, partir para a eternidade antes dele próprio, por vezes até comprometendo esta continuidade, é, sem dúvida, mais um terrível dilema a ser enfrentado, mais uma experiência imprevista e indesejada.
- Todavia, já o primeiro casal teve de enfrentar isto, pois a primeira morte física ocorrida na face da Terra foi a de Abel, ou seja, do filho de Adão e de Eva. Os pais da humanidade, além de terem perdido o Éden e a comunhão com Deus por causa do pecado, experimentaram a dor da morte física com o derramamento do sangue de seu filho Abel.
- Não deve ter sido fácil o enfrentamento desta situação pelo primeiro casal. Além de ter a dor da perda do filho, que o Senhor Jesus nos diz ter sido um homem justo (Mt.23:35), foi isto resultado de um assassinato praticado por outro filho, Caim, uma verdadeira tragédia familiar.
- O primeiro casal experimentava, assim, a dimensão do mal que representava o pecado, a gravidade de terem permitido a entrada do pecado no mundo, aprendendo, de uma forma muito dolorida, o que significa a desobediência a Deus, o que representa a quebra da comunhão com o Criador.
- A morte de Abel era consequência direta da maldade, do pecado. Abel era um homem justo, temente a Deus e que agradava ao Senhor e, por causa disto, foi assassinado por seu irmão Caim que, pelo contrário, era do maligno (I Jo.3:12).
- O primeiro casal deve ter sofrido terrivelmente, vendo o que representou a sua desobediência, qual o efeito da entrada do pecado no mundo, de que eles eram responsáveis.
- Esta dor vivida pelo primeiro casal mostra-nos que uma das causas pelas quais os pais sepultam seus filhos é, precisamente, a lei da semeadura. A morte prematura do filho pode advir de uma conduta pecaminosa dos pais, pode ser resultado de uma falha causada pelos próprios pais e que resulta numa circunstância que se constitui em consequência daquela atitude dos pais, ainda que o filho não seja ele próprio culpado no evento.
- O primeiro casal desobedeceu a Deus, permitiu a entrada do pecado no mundo e, como consequência disto, o mal se tornou uma realidade e Caim se tornou do maligno e acabou por matar seu irmão Caim, ainda que este fosse justo e ali vão Adão e Eva sepultar Abel por conta desta sua desobediência.
- Outra situação similar vemos no episódio da morte do primeiro filho de Davi com Bate-Seba. A criança morreu, por determinação divina, precisamente para que ficasse bem claro o desagrado divino com o adultério e homicídio praticados por Davi e, deste modo, o nome do Senhor não viesse a ser blasfemado por conta desta falha do rei (II Sm.12:14).
- Mas não é este o único motivo pelo qual os pais sepultam os filhos. Há situação, também, em que o filho é retirado desta vida precisamente por causa da sua justiça e para que não lhe sobrevenha um mal proveniente do pecado dos próprios pais. Foi o que ocorreu com Abias, filho de Jeroboão, que morreu antes de seus pais, precisamente porque era a única pessoa achada justa na casa de Jeroboão, tendo, então, o Senhor o poupado que lançaria sobre toda a família real por terem eles abandonado a Deus e passado a praticar a idolatria (I Rs.14:1-13).
- Temos aqui a hipótese de perecimento do justo antes que venha um mal, trata-se de uma providência divina para que o justo não venha a perecer numa situação que lhe fira a dignidade, antes que venha a sofrer algo na face da Terra que não há necessidade que sofra (Is.57:1).
- Por vezes, inclusive, a pessoa que é poupada de um mal maior por meio da morte física nem mesmo é justa, mas praticou alguma atitude que o Senhor, na Sua justiça, faz com que, por causa do bem praticado, venha a pessoa a ser preservada de um juízo ou de um mal maior. Foi o que ocorreu com Acabe que, mesmo não sendo justo, por ter se humilhado diante de Deus, foi poupado do juízo divino lançado sobre a sua casa, tendo morrido solitariamente e recebido, por conta disto, uma sepultura, o que não ocorreu com seus descendentes e com sua mulher Jezabel (I Rs.21:20-29).
- Há, também, a hipótese de que a morte do filho é determinada por Deus porque gerará ela maiores benefícios ao reino de Deus do que a manutenção da vida. Neste caso, como estamos aqui para glorificar a Deus, sendo a morte uma razão para a glória divina, deverão os pais suportar esta perda, consolando-se, entretanto, com a circunstância em que se dá tal passamento.
- Maria teve de sepultar Jesus, porque o Senhor precisava morrer pelos homens, a fim de redimi-los, de conceder-lhes a salvação. Por isso mesmo, no dia mesmo em que Jesus foi apresentado no templo e Maria, segundo a lei, fez sua oferta de purificação (Cf. Lc.2:22-24,27; Lv.12:2-7), o Senhor já usou Simeão para prevenir Maria que sofreria ela esta terrível dor da perda do seu filho e de levá-l’O ao sepultamento, dor que foi descrita pelo ancião como “uma espada que traspassaria a própria alma de Maria”.
- Vemos, aqui, amados, quão terrível é a dor sofrida por um pai quando tem de sepultar o seu filho e, observemos, que Maria teve a alegria de ver a ressurreição de Jesus ao terceiro dia, o que não ocorre com a quase totalidade dos pais que passam por esta experiência da “espada traspassar a alma”.
- Verdade é que, para um consolo à alma de Maria, pôde a mãe do Senhor ouvir do centurião o reconhecimento de que Jesus era verdadeiramente o Filho de Deus (Mt.27:54), o que pode ter trazido à memória da serva do Senhor as palavras ditas pelo anjo Gabriel quando do anúncio do nascimento de Cristo, mas não deixou de ser algo extremamente penoso e dolorido para Maria.
- A dor foi tanta que os romanistas, inclusive, por conta dela, querem até dar a Maria uma participação na redenção da humanidade, tanto que andam defendendo a aprovação de um quinto dogma mariano, para considerar Maria como corredentora da humanidade. Não deixa de ser mais um exagero da mariolatria, mas há aqui um fundo de verdade: quando a morte do filho se dá para glorificação do nome do Senhor, para um propósito na obra de Deus, devem os pais consolar-se com a perspectiva de que fazem parte da glorificação do nome do Senhor pela morte do filho, quando for esta a hipótese.
- Os pais, neste momento tão delicado, devem lembrar que, embora suas almas estejam traspassadas com este episódio, são eles, de algum modo, participantes com o filho falecido deste momento de glorificação e que isto, certamente, não ficará sem o devido reconhecimento e o devido amparo d’Aquele que não é injusto para Se esquecer da nossa obra e do trabalho do amor que para com o nome d’Ele mostraram enquanto serviram aos santos e ainda servem (Cf. Hb.6:10), tendo sido eles aqueles que criaram este que passou para a eternidade na doutrina e admoestação do Senhor e que agora tem a sua vida oferecida em glória a Deus.
- Por fim, temos a circunstância em que a morte do filho decorreu da lei da semeadura, mas por ato do próprio filho, inclusive a hipótese de desonra aos pais, que é um dos fatores de morte prematura, já que a longevidade é reservada aos que honram seus pais.
- Neste caso, aliás, é bom se lembrar mandamento da lei mosaica que determinava que os filhos contumazes e rebeldes fossem levados pelos próprios pais aos anciãos da cidade que, confirmando tratar-se de filho que estava a desonrar os pais, condená-los-iam à morte, mandando que o povo o apedrejasse até a morte, tirando, assim, o mal do meio do povo (Dt.21:18-21).
- Notemos, neste mandamento, que, ao contrário do que ocorria entre os gentios, não havia “direito de morte e vida” dos pais sobre os filhos na lei de Moisés, até porque o único “dono da vida” é o próprio Deus (I Sm.2:6; Sl.24:1). O que os pais poderiam fazer era levar o filho, depois de inúteis as ponderações e os castigos, para que a sociedade, como um todo, o condenasse à morte.
- Nesta hipótese, os pais, evidentemente, não ficam felizes com a morte do filho, mas devem entender que ele escolheu o seu caminho, ele próprio, tendo sido devidamente ensinado a praticar o bem, a agradar a Deus, tendo sido até castigado, quando os pais o podiam fazer, para que não vivesse dissolutamente, não quis dar ouvidos e acabou por colher a própria morte que semeou, pois o salário do pecado é a morte.
- Mesmo tendo a tristeza da perda do filho, devem os pais estar em paz com Deus, pois fizeram tudo o que estava ao seu alcance, são inocentes deste sangue derramado (pois, via de regra, esta morte sempre é violenta ou trágica), devendo se lembrar que cumpriram o seu papel de instruidores diante de Deus.
- Ademais, num instante como este, não devem olvidar que o Pai teve este mesmo sentimento de dor pela morte do Seu Unigênito Filho que, porém, não morreu pelos Seus pecados, pois nunca pecou (Cf. Hb.4:15), mas foi sacrificado por causa dos nossos pecados. Quando os pais, nesta hipótese de morte por semeadura da maldade do próprio filho, disso se lembram, acabam por se consolar e lembrar que viverão eternamente com o Senhor por conta desta terrível dor que o Pai quis por nós sentir e que é muito mais dura que a desta última hipótese.
II – CASUÍSTICA BÍBLICA: A MORTE DOS PRIMEIROS FILHOS DE JÓ
- O comentarista, para ilustrar o drama do sepultamento dos filhos pelos pais, traz-se o exemplo de Jó.
- O cuidado de Jó para com seus filhos era, sobretudo, espiritual. Sendo um homem muito rico, Jó, naturalmente, cuidava das necessidades materiais de seus filhos e com grande opulência, a ponto de seus filhos terem, cada um, sua casa, terem servos a seu dispor e realizarem, costumeiramente, banquetes, vivendo, assim, regaladamente, como pessoas de grande poder aquisitivo que eram.
- No entanto, Jó não se limitava a providenciar a manutenção material de seus filhos, mas buscava santificá-los ao término do turno dos banquetes. Assim, buscava manter seus filhos em padrões de santidade. Será que temos tido esta preocupação, de buscar a santificação de nossos filhos? Uma ordem vinda dos céus afirma-nos que, quem é justo, faça justiça ainda e quem é santo, santifique-se ainda (Ap.22:11b).
- Observemos, ainda, que a preocupação de Jó em santificar seus filhos não impedia que seus filhos desfrutassem dos bens que possuíam nem tampouco tivessem momentos de alegria e de diversão. Santidade não se confunde com tristeza, santidade não se confunde com privação ou ausência de diversão ou de convívio social.
- Não podemos nos misturar com o mundo, devemos ser santos, separados do pecado, mas a separação do pecado não implica em separação da sociedade nem da convivência com as demais pessoas.
- Os filhos de Jó, mais jovens e com outra disposição, não podiam, mesmo, ter os mesmos interesses e a mesma disposição do seu pai, mais velho e com outra estrutura psicológico-física. Por isso, seus filhos gostavam de festas e banquetes, o que não era mais o desejo e a disposição de seu pai, mas, cada um ao seu modo e cada um dentro de sua faixa etária, mantinham-se em santidade, sem que isto significasse opressão ou tirania por parte de Jó.
- Jó santificava os seus filhos, o que quer dizer que havia alguma espécie de culto a Deus para que isto se verificasse. O texto nada nos diz a respeito mas devemos inferir isto, até porque não sabemos, com detalhes, como se realizava a própria adoração de Jó a Deus, já que não se tratava de um israelita e não estávamos na época da lei.
- Isto também nos mostra que a forma de adoração a Deus, a denominada liturgia, é algo secundário e que deve ser observado mas não a ponto de instituir um formalismo que mate o próprio propósito que é o de adorar e glorificar o nome do Senhor.
- Algo que tem faltado nos lares dos crentes é o culto doméstico, que, convenhamos, ganhou algum impulso durante a quarentena e “lock down” decretados por conta da pandemia do COVID-19, o que tem sido um grande prejuízo para as famílias e, por extensão, para a Igreja, que, afinal de contas, nada mais é que a reunião das famílias.
- A extinção do culto doméstico é o principal trunfo que o adversário tem conquistado nos nossos dias. Sem transformar o seu lar em um altar perante o Senhor, os crentes têm aberto um enorme brecha para que o mundo ingresse em suas casas e, através delas, atinjam a igreja, retirando a espiritualidade e prejudicando, enormemente, seja a evangelização, seja o ensino da Palavra de Deus, como se pôde verificar no momento em que as pessoas ficaram privadas de cultuar coletivamente por causa da pandemia. Que o exemplo de Jó sirva-nos de incentivo e estímulo para buscarmos a santificação de nossos lares e de nossos filhos, em especial.
- Além de Jó santificar seus filhos, a Bíblia informa-nos que ele se levantava de madrugada e oferecia holocaustos segundo o número de todos eles. Jó era um homem de oração, um homem de intercessão, um homem de sacrifícios. Jó dava a prioridade às coisas celestiais, à sua relação com Deus, apesar de ser um homem que, com certeza, dada a sua riqueza, era ocupadíssimo, cheio de afazeres e de deveres, não só no cuidado de seu patrimônio mas, até mesmo, na comunidade onde vivia, conforme inferimos do desenvolvimento do livro (v.g., Jó 29:8).
- Isto, porém, não o impedia de servir a Deus e de buscá-lo de madrugada. Quantos de nós temos orado de madrugada? Quantos de nós temos colocado nosso relacionamento com Deus em primeiro lugar? Jó não só santificava seus filhos, mas buscava a própria santificação, o perdão de suas falhas e, assim, tinha condições de interceder pelos seus filhos.
- Diz o texto que Jó fazia isto "continuamente", ou seja, fazia parte da sua rotina, não era algo esporádico, algo transitório, algo que era contemporâneo a uma dificuldade, a uma prova, ou, então, fruto de um estímulo emocional, mas era algo que advinha do seu próprio caráter, do seu próprio viver. Temos buscado, assim, a Deus?
OBS: "Jó, como chefe de família, tinha o dever sacerdotal ou pastoral no que diz respeito a seus familiares. Como sacerdote, ofereceu sacrifícios expiatórios, num total de dez, para cada filho e filha. Não os ofereceu por causa de algum pecado conhecido, mas porque 'talvez' tinham pensado alguma coisa errada, na sua ignorância: seriam, portanto, os sacrifícios pelos pecados por ignorância (Lv. 4:13-21) e demonstram o quanto Jó ansiava pela santificação da sua família." (A BÍBLIA VIDA NOVA, com. a Jó 1:5, p.531).
- O pai de família tem sob sua responsabilidade a condução da adoração doméstica. Não se trata de algo que Jó deveria fazer só porque estávamos em pleno período patriarcal, mas de algo que é exigível ainda hoje, pois se trata de uma função cometida à cabeça do casal, que é o marido (I Co.11:3; Ef.5:23).
- Com efeito, dentre as atribuições da cabeça do casal está a de se submeter a Cristo, que é a cabeça do varão (I Co.11:3), de modo que, na organização familiar, temos que é o marido quem leva a família até Cristo, sendo, portanto, o sacerdote, pois o sacerdote é aquele que faz a mediação entre Deus e o povo, consagrando, tornando santo aquilo que vai ao encontro de Deus.
- O pai de família deve levar a sua família à presença de Deus, é sua a responsabilidade, como um verdadeiro sacerdote do lar. Evidentemente que este papel, exercido em tom familiar, não exclui, de forma alguma, o sacerdócio universal de todo servo de Deus, no âmbito da igreja, mas é uma atividade complementar e, em certa medida, até anterior à Igreja, na medida em que o primeiro ambiente de convivência de um ser humano é o ambiente familiar.
- Mas, além de Deus, havia alguém que também via o exemplo de Jó como pai de família: Satanás que, como sempre faz em relação aos justos (Ap.12:10), acusou Jó diante de Deus (Jó 1:9-11).
- Quando autorizado por Deus para tomar tudo quanto Jó possuía, o adversário de nossas almas procurou atacar, com requinte de crueldade, os filhos de Jó, que faziam parte da “herança do Senhor” (Cf. Sl.127:3).
- Satanás sabia o grande amor que Jó tinha por seus filhos, o cuidado com que procurava zelar pela vida espiritual deles e, como tal, quis “coroar com chave de ouro” toda a maldade que cometia contra o patriarca, para ver se ele blasfemava do Senhor.
- Notemos, irmãos, que Jó era um exímio servo de Deus, o Senhor dava testemunho dele, e, por isso mesmo, era um pai dedicado aos filhos e tinha como missão, como tarefa impedir que seus filhos deixassem de ser tementes ao Criador, ao Todo-Poderoso, que se mantivessem em santidade.
- Embora sua condição econômico-financeira permitisse que o patriarca desse aos filhos uma vida materialmente esplendorosa, tanto que eles viviam em festas e banquetes, o fato é que Jó dava relevância ao que realmente era importante, ou seja, à vida espiritual de cada um deles.
- Muitos, na atualidade, em nome de um bem-estar material de seus filhos, não dão o devido valor à orientação espiritual e ao papel sacerdotal que deve ter o pai de família, ficando satisfeitos em dar “boas condições de vida” aos filhos.
- Infelizmente, o que se verifica é que, ao negligenciarem a vida espiritual dos filhos, ao não se preocuparem em exercer o sacerdócio familiar, levando-os à presença do Senhor, estes filhos, por mais opulência material que tenham, acabam por se envolver com o pecado e, não raras vezes, a perder suas vidas antes mesmo de seus pais, mas não por ação sobrenatural, com ocorreu com os filhos de Jó, mas por causa das próprias veredas tortuosas que passaram a trilhar.
- Sabendo o cuidado que tinha Jó com os seus filhos, Satanás buscou criar uma situação em que o clímax das perdas sofridas pelo patriarca fossem os próprios filhos. O diabo, desta maneira, mostra que a família é o bem mais importante que um servo de Deus honrado pelo próprio Senhor tem.
- Notemos, por primeiro, que o diabo resolveu agir em uma das festas realizadas pelos filhos, não no momento da santificação feita pelo patriarca aos seus filhos, isto é, no momento do culto doméstico.
- Isto é muito elucidativo. Quanto mais a família estiver aos pés do Senhor, quando mais estiver em momentos coletivos de adoração, o diabo não se aproximará, não poderá agir, porque aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente, descansará (Sl.91:1). Quando nos reunimos em nome de Jesus, Ele Se faz presente em nosso meio (Mt.18:20) e, como o diabo nada tem com o Senhor, quando ele tenta se aproximar, Jesus já nos distancia dele (Jo.14:30,31).
- Por isso, devemos evitar circunstâncias em que se criem ambientes favoráveis à prática do pecado ou à manifestação do mal. Sabemos que o diabo é atrevido e se apresenta mesmo em reuniões de culto e de adoração a Deus, aliás, a própria santidade e reverência da reunião faz com que haja tais manifestações, notadamente em nossos dias em que há um evidente aumento da ação demoníaca, mas o fato é que, quando isto acontece em tais ambientes, é para a manifestação da glória e do poder de Deus.
- Entretanto, quando se está em ambiente profano, em situações propícias à manifestação da carne e do pecado, estamos em um “território inimigo” e a manifestação do mal e do pecado se dá para detrimento de nossa vida espiritual, para que sejamos “cirandados como trigo” (Cf. Lc.22:31).
- Embora não possamos dizer que os filhos de Jó fossem ímpios ou pecadores, não é difícil entendermos que não eram um exemplo de vigilância e de prudência, a ponto de Jó já de antemão interceder por eventuais pecados que pudessem ter cometido, exatamente porque frequentavam ambientes propícios a tal prática.
- O diabo escolheu precisamente uma destas festas para poder ceifar a vida daqueles jovens, e bem no dia em que a festa se dava na casa do primogênito que, pela cultura oriental, era o “vigor” dos pais, o filho proeminente, aquele que havia de suceder ao pai na chefia da família.
- O objetivo do inimigo era minar a fé de Jó e fazê-lo blasfemar de Deus e, por isso, com muito cuidado urdiu seu plano para destruir a todos os filhos, de uma só vez, e da maneira mais espetacular possível.
- Para causar a morte dos filhos de Jó, o diabo fez uso de “um grande vento sobrevindo do deserto”, que deu nos quatro cantos da casa do filho primogênito e que caiu sobre os jovens e todos os que ali estavam, somente escapando um, que veio contar os fatos para o patriarca (Jó 1:19).
- O alvo do diabo eram os filhos de Jó. O inimigo sempre mira os nossos filhos, querem, através deles, destruir a nossa estrutura de pai, a nossa confiança em Deus. Ele usa seus agentes para matar, roubar e destruir (Jo.10:10) e não há forma mais terrível para tentar fazer abalar a fé de um servo de Deus do que tocar nos seus filhos.
- Jó, até então, tinha ouvido as notícias da grande tragédia que sobrevinha a sua vida, abalado, logicamente, mas suportando dentro do possível o que ficava a saber. Mas, quando chega a notícia da morte dos seus filhos, Jó não mais pôde resistir. Como verdadeiro e genuíno servo de Deus, ele dava mais valor às pessoas do que às coisas e, entre as pessoas, especial relevo a sua família, a seus filhos.
- Jó, ao receber a notícia da morte dos filhos, rasgou o seu manto, rapou a sua cabeça, lançou-se em terra e adorou (Jó 1:20).
- Estas atitudes demonstram como deve se comportar um genuíno e autêntico servo de Deus quando lhe sobrevém a grande tragédia da perda dos filhos, ainda mais quando esta perda, como já dissemos, não tem qualquer ligação com o comportamento que os pais tiveram em relação a seus filhos, no cumprimento do dever que Deus lhes deu.
- Jó, primeiro, mostrou o seu luto. Rasgou a sua veste e rapou a sua cabeça. Este era um comportamento típico do enlutado, daquele que demonstrava estar triste com a situação.
- O servo de Deus deve ser autêntico e, diante da morte dos filhos, evidentemente ficará triste, enlutado e deve expressar naturalmente esta tristeza, esta terrível dor que, como já salientamos, é um duplo inconformismo decorrente da própria natureza humana.
- Entretanto, esta sua tristeza não se mistura com revolta contra Deus. Jó, apesar de seu estado lamentabilíssimo, lançou-se em terra e adorou ao Senhor. Reconhecia que Deus é o dono da vida e que Ele dá a vida e a tira (I Sm.2:6), é Ele quem é e mais nenhum deus, é Ele quem mata e quem faz viver, quem fere e quem sara e ninguém há que escape da Sua mão (Dt.32:39).
- Jó reconhecia o senhorio divino e, embora nada entendesse, e não era mesmo para entender pois como saber o que havia se passado nas regiões celestiais e que tudo iria contribuir para o seu desenvolvimento espiritual, simplesmente adorou ao Senhor.
- Jó adorou a Deus pelo que Ele era, não pelo que Ele fazia. Assim, embora achasse que tivesse sido o Senhor o responsável pela morte de seus filhos, sabia que fora Deus quem os havia dado e que, de direito, poderia tomá-los (Cf. Jó 1:21).
- Jó não se revoltou contra Deus, não blasfemou, não pôs a culpa em Deus. Simplesmente adorou ao Senhor e reconheceu que o que Deus faz é sempre o melhor.
- Ao final da história, vemos que a morte destes jovens por primeiro impediu que, diante da vida vacilante que tinham, viessem a perder a comunhão com Deus. Por segundo, vemos que, após a prova, Jó teve outro conjunto de filhos que era espiritualmente melhor que o primeiro e que não lhe trouxe tantos temores quanto antes (Jó 42:13-15). Deus refez a família do patriarca e com melhor qualidade espiritual e ainda deu ao patriarca a alegria de contemplar até à quarta geração (Jó 42:16), o dobro do que se promete ao justo (Sl.128:6).
- Quando os pais tiverem de sepultar seus filhos, que sigam o exemplo do patriarca Jó. Chorem à vontade a dor da separação aos pés do Senhor, mas sempre reconheçam que o que Deus faz é sempre o melhor, e que devemos tão somente adorá-l’O. É fácil? Lógico que não! É possível? Jó nos mostra que sim.